No dia 14 de fevereiro, na cidade de Lisboa, no Jardim da Praça do Império, foram repostos os brasões coloniais, desta vez gravados na calçada portuguesa, numa clara manifestação de nostalgia e saudosismo do passado colonial.
Se os brasões são sinónimo e representação da história do passado português, em particular do período dos “Descobrimentos”, são também a representação de uma história não contada sobre o seu processo de colonização, uma história de violências, dominação e exploração de um passado marcado pelo massacre de pessoas escravizadas durante décadas.
Como podemos enaltecer na pedra da calçada um passado esquecido de milhares de pessoas torturadas, violentadas, mortas, oprimidas, silenciadas, em que as suas marcas/feridas se estendem até aos dias de hoje e que ainda passam de geração em geração?
Que parte da história é contada às crianças e jovens na escola nos dias de hoje? Como explico às minhas filhas sobre o silenciamento do passado no país onde elas cresceram, sobre toda a dominação colonial que existiu e a ausência desta história no espaço público, espaço público esse que opta por enaltecer os brasões coloniais da Praça do Império?
Não se trata de uma reescrita da história ou vitimização, como muitos insistem em lamentar. Face à insistência dos brasões coloniais, gostaria que a minha história fosse contada tal como ela aconteceu em relação aos meus antepassados e dos atos cometidos, embora, para muitos de nós, não faça sentido em 2023, comemorar um passado em que a narrativa que se fala é a dos “Descobrimentos”. Ela não faz sentido sem um acompanhamento e reflexão sobre o seu passado, sobre a violência cometida, durante um longo tempo, às pessoas escravizadas.
A forma como apresentamos o nosso espaço público diz muito sobre o que uma sociedade valoriza: as pessoas que homenageamos, as estátuas, os nomes das ruas… E se é importante não esquecer o passado, também é importante saber enquadrá-lo e contextualizá-lo para que não se repita no futuro.
Ao termos consciência sobre o passado da nossa história, ganhamos consciência de que o racismo realmente existe, e falar sobre o racismo, é combatermos os preconceitos e desigualdades, de modo a que todas as pessoas sejam incluídas numa sociedade mais justa e igualitária.
Em maio de 2016, a Djass — Associação de Afrodescendentes teve a ideia da criação de um memorial na Ribeira das Naus para “homenagear as vítimas da escravatura e celebrar a abolição da escravatura e o tráfico de pessoas escravizadas”, uma iniciativa que permite falar do passado colonial, assim como do silenciamento e invisibilização das pessoas negras e racializadas no dia de hoje. Infelizmente, sete anos depois, o memorial ainda está por concretizar. Ao discutirmos e pensarmos em conjunto estas questões, encontramos diversas formas de as superar. Pensar no passado como ele realmente aconteceu é pensar no futuro de forma a não repetirmos os mesmos erros e darmos oportunidades para que as pessoas negras e racializadas que vivem em Portugal façam parte e contribuam para esta sociedade de igual modo.