“Liberdade e educação”, por Pedro Abrantes

Liberdade e educação

por Pedro Abrantes

Olhando à nossa volta, há sistemas educativos em que a escola pública é universal e há países em que o Estado financia escolas públicas e privadas de forma a garantir uma escolaridade universal. As diversas comparações são inconclusivas quanto ao modelo mais eficiente ou mais equitativo. Nem sequer existe uma tendência internacional, nas últimas décadas, para um ou outro modelo. Em sucessivos documentos, o LIVRE tem-se pronunciado a favor de uma escola pública universal. Apoiamos, portanto, a intenção do atual governo de limitar o financiamento aos colégios privados apenas aos territórios em que subsiste escassez da oferta pública. Porquê?

 

Modelo constitucional e financiamento

Em primeiro lugar, é o modelo previsto na Constituição portuguesa. No artigo 75º pode ler-se:

“1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população;

  1. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei”

É claro. Outro modelo só seria legítimo se, anteriormente, se procedesse a uma revisão constitucional.

Em segundo lugar, o que ocorreu é que alguns colégios privados, através de relações pouco claras com autarcas, direções-regionais e/ou governantes conseguiram captar financiamento do Estado em territórios em que a oferta pública era suficiente, o que tem significado um desperdício significativo de recursos públicos. Ou, em alguns casos, fizeram perdurar os contratos de associação, quando a criação de escolas públicas nas imediações e/ou as mudanças demográficas os tornaram redundantes. Passados vários anos de um discurso austeritário que impôs enormes cortes no financiamento do Estado, parece-nos inaceitável que se acuse de ilegítimo e radical um governo que pretende cumprir a lei e evitar desperdícios anuais desnecessários, ao erário público, de vários milhões de euros.

Poupança de recursos e combate à desigualdade

Em terceiro lugar, ao contrário do que têm sugerido os responsáveis por alguns dos colégios privados potencialmente afetados caso se comece a cumprir a lei, é o modelo de competição entre escolas públicas e privadas, ambas financiadas pelo erário público, que gera maior instabilidade nas escolas e nos seus profissionais, obrigando a despedimentos e a remodelações sucessivas, em função do número variável de crianças que se inscreve em cada escola.

Por fim, em quarto lugar, consideramos que a liberdade na educação não significa os pais colocarem os filhos num colégio privado sem pagar mensalidades. Pelo contrário, a liberdade na educação é todas as crianças e jovens frequentarem escolas de qualidade, onde a diversidade é aceite e valorizada, onde as desigualdades e exclusões são combatidas, onde tenham experiências pedagógicas diversificadas, onde escolham atividades e aprendizagens que correspondam aos seus interesses, gostos e talentos.

Deste último princípio, resulta o nosso repto. Esperamos que a poupança de recursos que resulte desta política seja efetivamente investida em promover a qualidade das escolas públicas, seriamente afetada pelos cortes realizados nos anos anteriores. E que esse investimento seja dirigido para o combate às desigualdades e para a promoção da liberdade na escola, promovendo metodologias, conteúdos e atividades que reconheçam a diversidade das crianças e os jovens, os seus ritmos, horários, necessidades, gostos, vocações e aspirações.