Regulamento europeu do restauro da natureza em risco
O Regulamento Europeu do Restauro da Natureza proposto pela Comissão Europeia está em risco depois de uma aliança entre membros do Partido Popular Europeu (PPE, de que fazem parte PSD e CDS), Renew Europe (liberais) e da extrema-direita para bloquear a sua aprovação. O português Álvaro Amaro, eurodeputado do PSD e Presidente do intergrupo para a biodiversidade, caça e mundo rural no Parlamento Europeu é um dos principais rostos desta oposição. Eurodeputados dos Verdes Europeus, a que o LIVRE se juntou recentemente, estão na primeira linha de defesa desta importante legislação.
O LIVRE encara com preocupação a possibilidade de o Regulamento do Restauro da Natureza, proposto pela Comissão Europeia, se tornar mais permissivo ou mesmo chumbar, devido à forte pressão exercida pelos interesses dos setores das pescas, agricultura e florestas. Recentemente, os eurodeputados de direita (centro-direita, conservadores, liberais e extrema-direita) nas Comissões da Agricultura e das Pescas no Parlamento Europeu aprovaram em cada uma pareceres com uma emenda única, no sentido da rejeição pura e simples da proposta.
Tanto o comissário para o ambiente Virginijus Sinkevičius , como o vice-presidente Frans Timmermans, grande promotor do Pacto Ecológico Europeu, manifestaram grande preocupação perante a oposição dos grupos de deputados PPE (Centro-direita), ECR (conservadores) ID (extrema direita) e parte de Renew (liberais) a esta proposta legislativa. Inúmeras organizações de defesa do ambiente, e até mesmo algumas grandes empresas, como a Unilever, a Nestlé e a Ikea, têm-se mobilizado por toda a Europa em defesa do Regulamento. Se um regulamento nos moldes propostos pela Comissão Europeia não avançar, os esforços para alcançar os compromissos internacionais relativamente ao clima e à biodiversidade, assim como o nosso comprometimento para com as gerações futuras, ficarão em risco.
Sem natureza não há comida
A proposta de regulamento da Comissão estabelece metas vinculativas para garantir a restauração de 20% do património natural até 2030 e de todos os ecossistemas degradados da UE até 2050, algo inédito na história.
A iniciativa visa, entre outras coisas, reverter o declínio das populações de polinizadores, aumentar a biodiversidade nos ecossistemas agrícolas, recuperar habitats, reduzir para metade o uso de pesticidas químicos, combater a perda de espaços verdes urbanos e recuperar os fundos marinhos. Estes objetivos constituíram também uma parte importante da posição da União Europeia na COP15 sobre a Biodiversidade, onde os participantes concordaram em proteger espaços naturais em 30% do planeta até 2030. São, por outro lado, uma parte fundamental do Pacto Ecológico Europeu, e a sua aprovação é essencial para garantir a resiliência da Europa face às alterações climáticas.
Estima-se, por exemplo, que a ausência de insetos polinizadores devido à deterioração dos ecossistemas pode implicar perdas de 25 a 32% na produção agrícola da UE. Essa é uma das razões pelas quais a proteção dos insetos polinizadores é apontada como uma estratégia importante para a otimização da produção e sustentabilidade agrícola.
Adicionalmente, os custos associados à perda de produtividade agrícola por degradação dos solos ultrapassam os 50 mil milhões de euros anuais, em parte devido às más condições de preservação de 70% dos solos da UE. A degradação dos ecossistemas constitui assim uma forte ameaça à segurança alimentar da UE e mesmo de todo o mundo. No que toca a Portugal, o relatório sobre o estado da natureza na Europa em 2020 indicou que tínhamos 72% dos nossos habitats degradados.
Este Regulamento constitui ainda uma base para irmos mais longe no restauro e conservação da paisagem. A dinâmica dos processos geológicos e a geodiversidade são frequentemente ignorados, apesar do seu reconhecido papel na formação dos solos, no ciclo da água e de inúmeros elementos químicos indispensáveis à vida, entre muitas outras funções. Existem já diversos estudos que revelam que o binómio biodiversidade/geodiversidade é indispensável para que o restauro e equilíbrio dos ecossistemas seja efetivamente conseguido. Aguardamos que este seja o próximo passo na política de restauro da natureza.
Quase 90.000 cidadãos da UE já enviaram um pedido aos responsáveis políticos dos seus países para apoiarem a aprovação do regulamento nas suas condições atuais. O LIVRE junta-se a esse coro de vozes e apela a todos os nossos eurodeputados para que votem a favor dessa lei crucial. No próximo mês, o Parlamento Europeu irá reunir-se em Estrasburgo para votar esta legislação em primeira leitura. Antes disso, a 20 de junho, o Conselho de Ministros do Ambiente tentará chegar a uma posição comum, a partir da contraproposta da Presidência sueca, que atende a especificidades regionais e atenua a proposta inicial da Comissão Europeia. Pedimos, por isso, a todas as entidades competentes, aos deputados portugueses no Parlamento Europeu e ao Governo português, que apoiem firmemente o Regulamento do Restauro da Natureza proposto pela Comissão Europeia.
Um futuro que não considere a recuperação do património natural que foi destruído e a conservação do que existe é incompatível com a justiça social, ambiental e económica que a Europa ambiciona.