Crianças e tauromaquia: retrocessos e falta de ambição parlamentar

Crianças e tauromaquia: retrocessos e falta de ambição parlamentar

Atualmente é possível uma criança ser toureira.

Neste Dia Mundial da Criança, PAN, BE e PEV levam a votação na Assembleia da República três Projectos de Lei distintos (181/XIII, 217/XIII e 251/XIII)  que tentam reverter esta situação, propondo alterações à Lei n.º 31/2015.

A Lei n.º 31/2015, de 23 de Abril, que estabeleceu o regime de acesso e exercício da atividade de artista tauromáquico e de auxiliar de espetáculo tauromáquico, alterou a idade mínima dos profissionais tauromáquicos dos 18 para os 16 anos e passou a permitir que crianças participem em touradas, desde que consideradas como “amadores” e com a aprovação da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.

O PAN propõe apenas a alteração da idade mínima de qualquer participante – amador ou profissional – para os 18 anos, o PEV propõe o mesmo, mas fazendo referência à escolaridade obrigatória, e o BE propõe também a maioridade mas acresce a eliminação da categoria de matadores de toiros.

O LIVRE defende, como um caminho para a progressiva abolição da tauromaquia em Portugal, que:

  • A idade mínima para assistir a touradas seja 18 anos
  • A idade mínima para participar em touradas seja 18 anos, tanto para profissionais como para amadores
  • As touradas não sejam subsidiadas de forma alguma pelo erário público
  • Não haja transmissão de touradas na televisão pública

O LIVRE saúda por isso a apresentação destes Projetos de Lei mas assinala a escassa ambição dos mesmos e lamenta a inexistência de um Projecto de Lei comum e convergente, antecipando a não aprovação de nenhuma das propostas.

 

Numa matéria em que os Direitos da Criança estão flagrantemente em causa, abstenções ou votos contra os Projetos de Lei apresentados hoje são absolutamente injustificáveis. Não obstante, são expectáveis. A Lei n.º 31/2015 foi aprovada com os votos favoráveis de todos os deputados das bancadas parlamentares do PSD e do CDS e da maioria dos deputados do PS, tendo contado ainda com a abstenção das bancadas parlamentares do PCP e, espantosamente, do BE.

Com as propostas de hoje chumbadas, continuará a vigorar uma Lei que permite que menores de idade sejam forcados ou amadores de todas as categorias de “artista tauromáquico” definidas na Lei e que sejam profissionais tauromáquicos a partir dos 16 anos.

A ONU considera que a participação e assistência de crianças a eventos tauromáquicos viola a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança – convenção esta que o Estado Português ratificou. Por isso, em  2014, o Comité dos Direitos da Criança da ONU recomendou especificamente ao Estado Português que progressivamente proibisse a participação de crianças na tauromaquia, adotando as medidas legislativas e administrativas necessárias.

É de facto extraordinariamente retrógrada e grave a situação portuguesa, pois se já antes era possível a uma criança assistir a touradas a partir dos 12 anos (sendo ainda frequente a presença de crianças de colo na assistência), com a Lei n.º 31/2015 passou também a ser legal a participação direta da criança e do adolescente na própria tourada. Ou seja, por iniciativa do próprio Governo e com o apoio ou conivência da maioria dos deputados da Assembleia da República, aprovou-se uma Lei que não só ignora as recomendações da ONU a respeito dos Direitos da Criança, como segue no sentido contrário desse alerta, aprofundando o estado de violação da Convenção por parte do Estado Português.

É neste contexto que Portugal, um país no qual a adesão popular à tauromaquia tem vindo a diminuir consideravelmente na última década, e onde a atividade está consideravelmente dependente de apoios públicos onerosos, continua em contra-ciclo. Já diversas nações aprovaram leis que proíbem a atividade tauromáquica e as abolições recentes na Catalunha e no Estado de Sonora, no México, são exemplos conhecidos desse avanço civilizacional.

Portugal poderia ter sido pioneiro, já que durante o reinado de D. Maria II e quando Passos Manuel, um d’Os Setembristas mais proeminente, ocupava o cargo de Ministro do Reino, as touradas foram de facto proibidas em todo o país através do Decreto publicado no Diário do Governo n.º 229, de 1836, que as classificava como divertimento bárbaro e impróprio de nações civilizadas. Infelizmente, retrocedeu-se mais tarde, recuperando a atividade tauromáquica. .

Parece-nos óbvio que a população Portuguesa cada vez mais adota uma postura crítica, procurando interpretar a origem de hábitos e tradições, preservando aqueles que contribuem para o nosso bem-estar e reconciliando-se com a natureza.

Um Governo e uma Assembleia da República verdadeiramente progressistas terão que voltar a fazer cumprir as Convenções que o Estado Português ratificou no que concerne aos Direitos das Crianças, iniciando um caminho que retire os apoios públicos às atividades tauromáquicas e criando as condições para uma transição cuidadosa para um enquadramento que reflita melhor a disposição ética da população Portuguesa.

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