Em novembro de 2022, Portugal começou a enfrentar o seu primeiro processo de arbitragem internacional investidor-Estado (conhecido pela sua sigla em inglês, ISDS). Trata-se de um sistema de justiça privada que se sobrepõe aos Estados, criticado pela falta de transparência, pelos conflitos de interesse e pela ausência de mecanismos de recurso. É um sistema que tem sido usado para compensar grandes empresas multinacionais caso o Estado aprove legislação (por exemplo para proteger o ambiente ou os direitos laborais) que se traduza em lucros inferiores às expectativas dos investidores.
Este processo contra Portugal foi promovido por dois fundos norte-americanos através de subsidiárias nas Ilhas Maurícias. Os fundos exigem indemnizações por prejuízos decorrentes do colapso do BES, mas compraram a dívida do BES já após o seu colapso, com o objetivo de gerar lucro processando o Estado português. Para contornar a falta de um acordo bilateral de investimento entre Portugal e os Estados Unidos, transferiram a dívida para as suas subsidiárias nas Ilhas Maurícias, reivindicando proteção ao abrigo de um tratado de investimento entre Portugal e as Ilhas Maurícias. Terão, portanto, um tratamento privilegiado face aos restantes queixosos que se dizem lesados pelo BES.
Portugal já enfrentou custos significativos com o caso, nomeadamente para pagar à equipa que representa o Estado português neste sistema de justiça, que funciona de forma externa ao sistema de justiça nacional. Esta equipa argumentou que as subsidiárias são sedes fiscais sem atividade real e classificou as ações dos fundos em causa – que também estão a recorrer ao sistema de justiça português, além deste sistema privado paralelo – como um “abuso de processo”. Recentemente Portugal obteve uma vitória ao ter-se decidido que estas questões de âmbito processual serão avaliadas antes de julgar o mérito da causa.
Independentemente do desfecho do caso, é nefasto para Portugal estar sujeito a este tipo de mecanismos de justiça privada que se sobrepõem aos Estados e que contribuem para a insustentabilidade ambiental, social, económica e política da financeirização de todos os aspectos da vida.
O LIVRE opõe-se ao ISDS e propõe, como já vem fazendo desde 2019, a sua rejeição pelo estado português nos tratados de comércio internacional, defendendo, em vez disso, políticas de comércio e investimento que sejam justas e sustentáveis. O comércio internacional deve ser uma fonte de prosperidade e servir para aproximar os povos. Para isso, deve ser gerido de forma democrática, sem privilegiar os interesses das empresas multinacionais face ao interesse público.