O LIVRE sobre o anúncio de compra de dívida soberana pelo BCE
Para que a economia recupere, as medidas do Banco Central Europeu (BCE) têm de ser complementadas por ação governativa.
Só no quinto ano da crise, e perante uma zona euro em risco de entrar em deflação, o BCE decidiu desencadear um plano de compra de dívida pública no mercado secundário. Segundo anúncio feito hoje por Mario Draghi após uma decisão tomada pelo Conselho do BCE, serão efetuadas compras de 60 mil milhões de euros até setembro de 2016 que permitirão baixar o valor dos juros, desvalorizar o euro e (de novo) recapitalizar a banca, a quem estes títulos de dívida serão recomprados. O BCE justificou esta medida pela necessidade de aumentar a inflação na zona euro, o que — a resultar — terá também um efeito sobre a dívida, diminuindo-a em termos reais, além de poder auxiliar as empresas europeias e portuguesas no setor exportador para fora da zona euro.
Esta decisão peca por tardia mas é, ainda assim, uma notícia muito importante para o euro. Significa que o BCE pode encontrar maiorias dispostas a tomar opções de política monetária menos ortodoxas em período de crise — algo que era já reclamado por observadores preocupados com a crise do euro desde 2010. Facto que não é de somenos, significa também que as posições do governo alemão e do Bundesbank podem sair derrotadas. Já deveria ser claro há muito tempo que cuidar da saúde da zona euro não pode ser apenas garantir que a Alemanha esteja bem, e muitos dos outros mal.
Sendo necessárias, estas medidas não são suficientes.
Sabemos, por experiência dos últimos anos, que não basta recapitalizar a banca privada para que o dinheiro chegue à economia real. A Europa vive uma crise de procura. Não é razoável esperar que as empresas peçam crédito quando não encontram clientes, ou que façam investimentos a longo prazo quando não se sabe quanto tempo durará esta crise. Nas atuais condições, medidas de política monetária, mesmo não-ortodoxas, não são suficientes. É necessário agregar-lhes políticas de estímulo à economia e de recuperação das sociedades dos países em crise mais profunda.
O LIVRE preconiza que o novo plano do BCE seja acompanhado de novas medidas a tomar pelos governos nacionais e pela Comissão Europeia, incluindo a participação em projetos trans-europeus de infraestruturas, nomeadamente na área ambiental, a criação de uma agência para a recuperação e relançamento das economias com altos níveis de desemprego e o lançamento de um “plano Marshall” para o Sul e as periferias.
Também em Portugal há muito a fazer. É necessário apoiar o desendividamento das famílias e dar início a um plano de criação de emprego. Uma intervenção no mercado imobiliário, de onde se origina a maior parte do endividamento dos portugueses, através de um grande plano de recuperação urbana e ordenamento do território poderia ajudar a atingir esses dois objetivos.
Os governos nacionais e as instituições europeias com responsabilidades executivas não podem mais fugir às suas responsabilidades perante a desastrosa situação económica e social em grandes partes do continente europeu.
Imagem: World Economic Forum