Tenho lido de forma esporádica alguns escritos que denominam a ‘igualdade de género’, assumo que de forma pejorativa, de ‘ideologia de género’. Um termo usado possivelmente para passar a ideia de que é algo tremendamente intelectual, distante da realidade, uma invenção…em suma, uma engenharia social – sendo qualquer engenharia destas vista como necessariamente algo pernicioso, porque longe do ‘natural’. Acontece que a igualdade de género pouco tem de distante do dia-a-dia das pessoas ou da sua própria forma de ser, enquanto seres vivos com personalidade própria. Pelo contrário, corresponde a anseios de liberdade, de autonomia e de realização pessoal de mulheres e de homens concretos. Para além disso, reconhece que, frequentemente, nesta equação humana são as mulheres as mais prejudicadas. Falo disto com alguma autoridade. Não só porque sou mulher, mas porque afinal a minha dissertação de mestrado foi justamente sobre as questões da biologia vs. cultura nas questões de género. Permitiu-me confirmar que realmente há uma construção social em torno dos significados, dos papéis e das expectativas de aptidões físicas ou psicológicas e gostos atribuídos às pessoas a partir do sexo com que nasceram. Que varia de época para época, de cultura para cultura.
Para algumas pessoas, o status quo ou modelos antigos de organização social e familiar dos sexos serão vistos como extremamente benéficos para a procriação e para a natalidade e confundidos com ‘regras naturais’ derivadas do funcionamento biológico. Porém, esses modelos têm tanto de ideologia como qualquer outro. Se não quisermos confiar nos estudos científicos, conseguimos olhar em redor e dar conta de um número suficiente de mulheres que desejam ter uma carreira, um papel ativo enquanto profissionais e/ou agentes na vida pública. Ou seja, a maternidade não é desejo único contributivo para a sua felicidade. Também nos damos conta que, felizmente com cada vez maior frequência, há homens que manifestam com coragem – porque muitos têm falta dela neste ponto e reprimem a sua autenticidade – o desejo de poder participar e agir de modos que tradicionalmente mereciam (e ainda merecem) censura social por serem tidos como do domínio ‘feminino’. Damo-nos conta então que de ‘natural’ nada há em modelos rígidos de papéis de género. A diversidade de mulheres e a diversidade de homens existe comprovadamente.
Torna-se assim uma mera escolha reprimir essa diversidade ou não. A igualdade de género não pretende ditar como as pessoas devem ser ou viver, mas sim lutar por uma igualdade de oportunidade de participação e desenvolvimento para cada pessoa, entendendo que os gâmetas do homem e da mulher são essenciais para a procriação, que essa sua diferença fisiológica e biológica concorre para isso, mas que as suas diferenças ficam-se por aí. Pelo menos de modo relevante para falarmos de universais do que é ser mulher e do que é ser homem. Se virmos as mulheres como pessoas com direitos e deveres iguais aos homens – e como poderia ser de outra forma sem incorrer em injustiça? –, então teremos de reconhecer uma série de factos inerentes a esse reconhecimento. Teremos de reconhecer que numa família não há um chefe de família, mas são ambos chefes de família. Que numa família ambos têm tarefas, responsabilidades e deveres familiares e domésticos iguais ou que é correto que os distribuam entre si de forma equitativa. Que tal como para muitos homens ter uma carreira é um aspeto vital de realização pessoal, assim é para muitas mulheres. Que nalgumas famílias será o homem a cozinhar e a mudar as fraldas ao bebé e a mulher quem monta as prateleiras e conduz o carro. Assim, se as mulheres numa relação heterossexual de facto se responsabilizam, por imperativo biológico, de uma gestação de 9 meses e da amamentação (quando possível e desejada), nada mais existe a partir daí que um homem não seja igualmente capaz de efetuar para contribuir para o desenvolvimento saudável do seu filho ou da sua filha.
O que me leva para a questão da natalidade. Ouvimos nos últimos meses que o governo iria apostar na mesma. Ora, ela será difícil de aumentar perante a redução ou falta de apoios, o aumento do custo de vida, a precariedade e o desemprego. É de uma ousadia e de uma ignorância atrevidas quem das gerações mais antigas acusa as mais novas de egoísmo por não terem filhos ou mais filhos, não entendendo que, em verdade, em muitos casos essa é uma escolha feita a pensar nos potenciais filhos ou nos que já têm, como confirmado pelo Inquérito à Fecundidade 2013 do INE. Para não falar dos casais do mesmo sexo que gostariam de recorrer à procriação medicamente assistida em Portugal e são obrigados a recorrer ao estrangeiro, tornando-se esta num privilégio de casais com meios suficientes, implicando que quantias avultadas dos seus rendimentos se transformem assim em consumo externo e impedindo que com os seus projetos familiares contribuam, com mais facilidade, para a natalidade, por via das soluções que se ajustam à sua realidade conjugal e às suas características intrínsecas enquanto pessoas. Por fim, não é possível criar condições adequadas enquanto as mulheres forem vistas como guardiãs da maioria das responsabilidades familiares e, consequentemente, receberem menos salário que os homens pelo mesmo trabalho – implicando um orçamento familiar mais baixo em qualquer casal de um homem e de uma mulher ou de duas mulheres – e não existir uma cultura empresarial que defina a vida familiar como uma prioridade para o bem-estar de muitos dos seus trabalhadores e trabalhadoras. É necessário efetuar uma articulação da vida profissional e vida familiar/doméstica que considere que pais e mães precisam em igual medida de tempo para gerir esse aspeto das suas vidas. Afinal, é do interesse do tecido empresarial esta mudança na gestão dos seus recursos humanos, porque mais filhos significam mais consumo e mais consumidores. Todos e todas ganhamos.
Há muito para melhorar e mudar, e no entretanto o Partido LIVRE compromete-se nestas Eleições Europeias a apresentar no Parlamento Europeu propostas para que se estabeleça uma meta de diminuição anual da desigualdade salarial entre homens e mulheres e, principalmente, uma revisão da Diretiva 2006/54/EC que torne vinculativa a ação contra a desigualdade salarial, levando a procedimentos de infração para as empresas ou estados que não tomem ações razoáveis para diminuir as desigualdades salariais. Cada pagamento desigual constituiria uma infração separada passível de ser multada, tornando incomportável a manutenção das desigualdades. Por outro lado, o LIVRE compromete-se também a criar e implementar regras comuns de trabalho digno para todos, nomeadamente uma reformulação das leis laborais relativas às Empresas de Trabalho Temporário (ETT) (Diretiva 2008/104/CE) para a existência de uma concreta fiscalização quer da atividade das ETT, quer das empresas utilizadoras, para que não fique ao arbítrio das mesmas a possibilidade de prestações sociais, como o subsídio de desemprego, já que as constantes interrupções nos descontos para a Segurança Social impedem muitas vezes o acesso ao subsídio.
Estas são duas entre várias razões pelas quais no próximo dia 25 de maio votarei LIVRE.
Rita Paulos, candidata do LIVRE