Foi votado e aprovado o Orçamento do Estado para 2019, o último desta legislatura, caracterizada por um governo apoiado pela esquerda. Apesar de a Geringonça ter sido essencial para quebrar o ciclo de políticas de austeridade que Portugal viveu durante vários anos, falta-lhe a visão necessária para uma política de longo prazo. Esta falta de visão reflete-se também neste OE e em toda a discussão gerada em torno da sua votação.
Nem na governação, nem neste OE se abordam com seriedade os desafios incontornáveis deste século XXI, como as alterações climáticas, o descalabro ambiental ou as mudanças profundas que o mundo do trabalho irá sofrer fruto do avanço da tecnologia.
O início desta legislatura foi marcado por uma clara insuficiência, que continuou a degradação das infraestruturas e do capital público já começada no governo anterior. Apesar de este OE prever um aumento do investimento público, nomeadamente na ferrovia e noutros transportes coletivos e infraestruturas essenciais, os valores em causa são insuficientes, tanto para reverter os danos causados pelos últimos anos, como para preparar o país para as próximas décadas.
O LIVRE defende um reforço acrescido do investimento público, bem como do financiamento dos serviços públicos e das prestações sociais e um alívio fiscal das famílias portuguesas. Apesar de não discordarmos das metas de consolidação orçamental previstas no OE, nem com a estratégia de consolidação que tem vindo a ser seguida nos últimos anos, acreditamos que existem outras formas de atingir essas metas – e que uma política de esquerda, progressista e responsável, seria possível e desejável.
De facto, acreditamos que todo o sistema fiscal deveria ser repensado para que o consumo no nosso país passasse a ser ambientalmente sustentável e não ameaçasse de forma tão grave as futuras gerações e todos os seres vivos. Infelizmente, o impacto ambiental e social não vem incorporado no preço dos produtos, o que torna os produtos produzidos de forma sustentável menos competitivos, resultando numa economia com mais desperdício e destruição ambiental do que o necessário. Por outro lado, se estes custos fossem cobrados, estas receitas poderiam ser distribuídas por todos os cidadãos (constituindo um pequeno “Rendimento Incondicional”) garantindo que, em média, ninguém ficaria a perder. Não só o efeito desta alteração seria redistributivo de forma progressista (sendo que, tipicamente, as classes sociais de maiores património e rendimento tendem a consumir mais e com maior impacto ambiental), como promoveria uma economia com menor impacto ambiental sem diminuir o rendimento real médio dos portugueses.
Neste Orçamento do Estado para 2019, consideramos que continua a haver uma oportunidade falhada de valorização do Serviço Nacional de Saúde, que a habitação é uma “prioridade” que não é levada a sério, que a educação e o conhecimento científico continuam a não ser valorizados como essenciais para o futuro, que se dão uns passos demasiado pequenos na cultura, que a desigualdade no rendimento e na inclusão não é combatida, que a qualificação e motivação da Administração Pública não são tratadas e que as questões ambientais e da necessária transição energética são pouco ambiciosas.
Consideramos também que há despesas – com PPP ou com rendas excessivas – que deveriam ser muito reduzidas e receitas fiscais que deveriam ser consideradas. Estas medidas concorreriam para um maior orçamento disponível para o reforço do Estado Social e para a preparação do país para as próximas décadas.
Se no primeiro ano desta legislatura aplaudimos a decisão de extinguir os contratos de associação com escolas onde existia capacidade instalada na escola pública, infelizmente, no sector da Saúde, não assistimos a uma medida análoga.
O recurso à subcontratação tem sido cada vez maior à medida que o Serviço Nacional de Saúde vem sendo progressivamente desmantelado, e isto acontece mesmo em situações onde os custos para o Orçamento do Estado são superiores. Uma fatia cada vez maior da população depende de seguros de saúde privados, com todo o desperdício e ineficiência que isso representa a nível coletivo, promovendo uma desigualdade crescente e uma fuga do SNS. No último orçamento desta legislatura, é lamentável que não se tenha verificado uma profunda reforma neste domínio.
O mérito da vacinação é incontornável e um Plano Nacional de Vacinação (PNV) abrangente é essencial para garantir a saúde coletiva e para promover a igualdade no acesso à saúde. É importante que não haja vacinas essenciais que fiquem de fora do PNV, fazendo que só aqueles com orçamento disponível as consigam adquirir. No entanto, a decisão sobre que vacinas devem estar incluídas no PNV não deve ser política mas sim técnica. Foi por isso com estranheza que recebemos a notícia de que tinham sido incluídas três novas vacinas no Plano Nacional de Vacinação. Esta decisão da AR representa, para além de um encargo financeiro significativo cuja eficácia não está evidenciada, um desrespeito pelas entidades competentes na área (nomeadamente o Infarmed e a Direção Geral de Saúde), que não foram consultadas.
Aplaudimos a inclusão no OE da contratação de intérpretes de língua gestual portuguesa para o SNS, essenciais para um verdadeiro acesso universal aos cuidados de saúde. Lembramos, no entanto, que a promoção e o acesso à língua gestual portuguesa deveriam constar de um programa alargado – onde fosse incluída a sua aprendizagem por todos – e não em medidas avulsas.
Este OE não resolve os problemas da habitação. É urgente pensar a problemática na sua globalidade, coisa que a Assembleia da República e o Governo não estão a fazer.
As atuais políticas públicas entendem a reabilitação urbana apenas enquanto reabilitação imobiliária, através de medidas que, separadas de políticas integradas e insensíveis à rápida transformação social, enfatizam a dinâmica de compra de propriedade. Por isso, a população com rendimentos baixos e médios não é beneficiada por esta forma de reabilitação urbana e pela consequente melhoria económica.
Este OE reflete uma má postura relativa à habitação, ao aplicar medidas opostas à regulação do mercado imobiliário e ao cumprimento do princípio constitucional de acesso universal à primeira habitação. Assim, o Governo não só compromete as vidas das pessoas diretamente afetadas, como contribui para áreas metropolitanas com menor qualidade de vida, segregadas por rendimentos, bairros monofuncionais e ‘desurbanizados’, com centros ‘museuficados’ e com elevada dependência do automóvel.
Em geral, os valores orçamentados para políticas de habitação são muito baixos. Existem instrumentos importantes como os Programas 1.º direito ou Porta 65, mas com um apoio financeiro insuficiente. A facilitação da possibilidade de obras coercivas, a melhor definição de imóvel devoluto e o aumento do IMI seriam medidas positivas num contexto de fraco investimento, mas, no atual contexto, aceleram a compra de propriedade e reforçam os instrumentos ao alcance dos investidores.
É positivo que se centralize no Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana a transferência de imóveis de habitação de outros organismos do Estado Central, de modo a colocar mais arrendamento acessível no mercado. Concordamos com a possibilidade de municipalizar bairros da competência do IHRU, desde que acompanhados de orçamento adequado, através de transferências de fundos para as autarquias. Também a possibilidade de aumento do endividamento municipal para despesas com a habitação parece-nos correto, apesar de insuficiente nos valores.
O LIVRE defende que não podemos continuar a ter um sistema científico e tecnológico baseado em medidas avulsas sem o mínimo planeamento estratégico, em que a falta de previsibilidade de concursos para contratação de recursos humanos e de financiamento de projetos deixa as instituições sem capacidade de desenvolver a sua atividade de forma sustentada.
O Orçamento do Estado para a ciência e ensino superior sofreu um aumento de cerca de 9%. No entanto, e apesar de a vontade anunciada de contratação de investigadores, é preciso garantir que essas contratações são efetuadas em tempo razoável, dando resposta às necessidades dos investigadores e das instituições.
Durante o mandato deste governo as soluções para o gravíssimo problema de precariedade na área da investigação científica foram sendo encontradas através de uma espécie de navegação à vista e não baseadas numa visão integrada do sistema científico e tecnológico e das instituições de ensino superior.
A promessa de contratação de pós-doutorados, bolseiros há muito mais tempo do que seria razoável, foi concretizada apenas em 2018, com a aplicação da norma transitória da Lei 57/2017, que entrou em vigor um ano depois da proposta de decreto de lei em 2016 (o DL 57). Desde o início do mandato até à contratação efetiva destes investigadores decorreram três anos.
Para além desta promessa eleitoral, durante todo este mandato houve apenas um concurso para contratação de investigadores pela FCT que teve início e fim: o concurso abriu em 2015 e teve os resultados finais apurados em dezembro de 2017. O concurso que abriu em Janeiro de 2018 ainda não terminou. Esperamos assim que a contratação dos 5000 investigadores anunciada com este OE se concretize. No entanto, entendemos que a contratação para este sector tão importante para o desenvolvimento do país não deve ser feita em vagas de contratação como a anunciada, devendo fazer parte de um plano estratégico nacional com abertura de número de vagas razoável que seja sustentável nos orçamentos futuros das instituições, vagas essas que devem abrir de forma periódica e previsível.
A avaliação das unidades de investigação científica em curso, prevista para 2017(!!) está atrasada e não vai ser finalizada em 2018. O que significa na prática que 2019 vai ser um ano em que as instituições de I&D vão viver de duodécimos, com o seu futuro em aberto no que diz respeito à capacidade financeira que possam vir a ter para contratar investigadores e estabelecer orientações estratégicas a médio prazo.
No ensino superior, o aumento do valor disponível no OE face a 2018 é de saudar, assim como a redução do valor da propina universitária anual máxima no ensino público em 20% (de 1.068 euros para 856 euros), mas note-se que esta medida não se encontra ainda contabilizada neste orçamento, sendo o seu custo aferido até ao final de 2019 tendo em conta o número de inscritos no ano letivo de 2019/2020.
Defendemos uma progressiva eliminação das propinas no 1.º Ciclo do Ensino Superior e uma redução significativa e progressiva no 2.º Ciclo, abrindo assim oportunidade a todos de obterem formação superior. Na senda deste objetivo o Governo deve aumentar o investimento e os orçamentos das Universidades, por forma a garantir a sustentabilidade financeira destas instituições.
Já no próximo Orçamento para 2020, em que o LIVRE terá já a oportunidade de ter lugar na Assembleia da República, proporemos que a universalização do primeiro ano da licenciatura com um primeiro passo na eliminação das propinas neste ano.
Este OE apresenta um conjunto de boas intenções para a educação, sendo de particular destaque o reforço da educação inclusiva, a universalização do pré-escolar, a valorização e promoção do ensino profissional e artístico e o desenvolvimento da educação de adultos. Também saudamos o investimento na melhoria das refeições escolares.
O alargamento da gratuitidade dos manuais escolares é benéfico para as famílias, porém, num ensino que avança no sentido da flexibilização curricular, no qual se espera que cada aluno concretize o seu caminho, o manual escolar como instrumento perderá centralidade, tornando-se uma das muitas possibilidades de acesso à informação que permitirá construir o conhecimento.
Contudo, a flexibilização curricular torna mais evidente a insuficiência de trabalhadores nas escolas, tanto dos assistentes operacionais, da responsabilidade das Câmaras Municipais, como dos professores, da competência do Ministério da Educação. Neste último caso, o OE não dá qualquer sinal de preocupação face ao envelhecimento do corpo docente, não dando sinais de investimento na formação inicial de professores nem de valorização profissional, o que poderá pôr em causa o futuro da Educação.
Ainda na matéria dos livros escolares, o LIVRE defende que Portugal invista em livros com licença de utilização aberta e também em formato digital. Em todo o OE não existem referências a software “open source” para a educação ou para as instituições e os serviços públicos.
O OE2019 aposta no aumento dos rendimentos das pessoas através do aumento nas pensões, aumentos para a função pública, bem como o já anunciado aumento do salário mínimo para € 600 em 2019, mas não num investimento mais profundo em medidas de apoio ao combate da exclusão social de alguns públicos concretos. Isto é particularmente grave conhecendo os números divulgados esta semana sobre a descida de risco de pobreza não se verificar no grupo etário acima dos 65 anos, por exemplo.
Algumas medidas são apenas boas intenções, sem qualquer verba orçamentada. É o caso dos cuidadores informais e a Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023, para as quais não se estabelecem quaisquer montantes.
O OE prevê o aumento do apoio para pessoas com mais de 52 anos e que reúnam as condições de acesso ao regime de antecipação da pensão de velhice nas situações de desemprego involuntário de longa duração, através da condição especial de acesso ao subsídio social de desemprego subsequente. O LIVRE alertou nos últimos meses para este problema, enviando uma carta ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
No entanto, consideramos a proposta constante do OE2019 insuficiente.
No que diz respeito a alterações nas pensões, o Complemento Solidário para Idosos é alargado a pensionistas nos regimes de antecipação da pensão por motivo de natureza especialmente penosa ou desgastante da atividade profissional ou nas situações de desemprego involuntário de longa duração. Porém, para os pensionistas com mais de 60 anos, tal só terá efeito a partir de outubro de 2019.
Por fim, as ideias propostas relativamente às receitas e despesas ainda dão espaço quer para o reforço do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, necessário para assegurar a sua sustentabilidade, quer para reforçar prestações sociais essenciais, com particular destaque para as Bolsas de Apoio Social e para o Rendimento Social de Inserção.
Este OE revela a visão centralizadora e pouco abrangente do que é Cultura neste Governo, pecando por não assegurar uma política em rede – rede de museus, rede de teatros, rede de programação – que promova o intercâmbio, a partilha e a distribuição de oportunidades por todo o território e população. O Orçamento do Estado para 2019 peca também pela falta de integração da política cultural com outras políticas de combate à desertificação do interior, de integração das comunidades migrantes, de promoção da inclusão social e de educação, entre muitas outras.
Continua a existir uma relação assimétrica entre o orçamento da cultura e o valor que a cultura dá à sociedade em geral, não existindo uma estabilização e orçamentação adequadas. Apesar do orçamento para a cultura ter um aumento de 13%, continua a ser insuficiente para a estabilização programática de várias instituições e para contrariar a precariedade dramática das condições de trabalho de artistas, técnicos e outros recursos humanos desta área.
Após a votação em Assembleia da República, o OE prevê que todos os espetáculos culturais verão o seu IVA reduzido para 6%, com exceção daqueles que sejam considerados desportivos ou de caráter pornográfico ou obsceno. O LIVRE aplaude, de forma geral, a melhoria do acesso à cultura que a descida do IVA pode trazer, considerando no entanto que existem várias barreiras ao acesso onde valeria mais a pena investir.
Ainda assim, não podemos deixar de considerar que a descida do IVA nas touradas e eventos tauromáquicos foi uma oportunidade perdida. Retirar progressivamente as verbas públicas e os benefícios fiscais a este tipo de “espetáculos” favorece uma transição pacífica para uma abolição e desaparecimento, respondendo às transformações a que vimos assistindo na sociedade mas assegurando um reajuste de todos aqueles que dependem da tauromaquia. Consideramos, por isso, que a votação foi no sentido errado e que o IVA destes espectáculos que promovem o sofrimento e a indignidade animal deveria ser o mais elevado possível.
Aplaudimos o lançamento em 2019 de instrumentos relevantes como o Plano Nacional das Artes (em relação direta com o Ministério da Educação, o que saudamos), o Fundo Público de Aquisição de Arte Contemporânea, o Arquivo Sonoro Nacional, o Fundo de Apoio ao Turismo, Cinema e Audiovisual ou o apoio ao Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Serviços em Bibliotecas Públicas.
A sustentabilidade e a eficácia dos serviços públicos requer a contratação urgente de recursos humanos. Consideramos que, no final de uma legislatura, não basta concluir o Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREPAV) ou contratar 1000 jovens licenciados, deixando em aberto todas as outras carreiras.
Sobre a progressão nas carreiras dos funcionários públicos, consideramos que deveria ter sido considerada a contagem integral do tempo de serviço dos professores e de todos os outros trabalhadores das carreiras e corpos especiais da administração pública, com uma regularização total a dois anos, exceto se por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, ou por outro instrumento resultante do diálogo social, se definir um prazo diferente. O LIVRE também defende o reforço do pessoal associado à fiscalização da legislação laboral, cujo reiterado incumprimento cria um clima de desrespeito pela lei que fragiliza os trabalhadores e prejudica a sociedade.
A mobilidade enfrenta grandes alterações – sobretudo nas zonas urbanas – e este OE espelha-as muito timidamente. O Programa de Apoio à Redução Tarifária, que visa sobretudo a redução dos gastos das pessoas e das famílias com a sua mobilidade em transportes públicos, é uma medida muito importante. Em conjunto com o reforço do orçamento em várias empresas de transportes públicos, poderá contribuir para uma maior utilização do sistema de transportes públicos e fomentar a não utilização do automóvel. Lembramos, no entanto, que a política de transportes deve ser uma política de médio-longo prazo e que terá de ser muito elevado o investimento necessário para reverter todo o desinvestimento e desleixo dos últimos anos. Lembramos também que, apesar de ser nas áreas metropolitanas que a concentração de população é maior, a população em todo o território não pode ser descurada, devendo ser asseguradas condições de mobilidade e acesso a bens e serviços a todos.
Apesar de saudarmos a inclusão das bicicletas elétricas nos apoios à aquisição de veículos com baixas emissões, não compreendemos a rejeição de medidas como a redução do IVA para a aquisição de bicicletas ou a inclusão das despesas de reparação de bicicletas no IRS. Consideramos que todos os modos ativos – desde bicicletas, a skates e trotinetas, até andar a pé – devem ser promovidos e incentivados, faltando uma política alargada e consistente.
Na área do ambiente e energia são muitas as deficiências do Orçamento do Estado de um governo que criou há poucos meses a pasta da “transição energética”.
Por exemplo, a produção elétrica de energias renováveis abrangida por regimes de remuneração garantia deixarão de estar isentas da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE).
Mas neste orçamento são ainda mais gritantes as medidas que não se tomaram e que são urgentes tomar, nomeadamente a redução do IVA para os serviços de reparação, que permitiria reduzir os desperdício e a produção de lixo, a redução de IVA ou deduções no IRS para despesas relacionadas com a melhoria da eficiência energética e com a aquisição de bicicletas.
No geral continua a adiar-se a aplicação de uma verdadeira política ecológica e que aposte na transição energética.
Receitas, despesas e metas
As Parcerias Público-Privadas rodoviárias estão avaliadas, pelo Eurostat, em 5,5 mil milhões de euros. O Estado Português prevê pagar aos concessionários nos próximos 20 anos mais de 18 mil milhões de euros, que acrescem a todos os pagamentos já efetuados.
Estas rendas excessivas deveriam ser largamente diminuídas através da renegociação dos contratos, que permitisse uma verdadeira poupança para os cofres do Estado.
No âmbito do combate ao desperdício e rentismo, justifica-se uma renegociação dos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) que o estado paga à EDP. O estudo de peritos da Universidade de Cambridge sobre estes contratos apurou que a rentabilidade nominal efetiva dos CMEC era de 14,2%, acima dos 7,55% do custo de oportunidade do capital que foi considerado num despacho do Governo. A isto acresce a estimativa da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), segundo a qual a EDP cobrou abusivamente 510 milhões de euros no âmbito do regime jurídico dos CMEC; acresce ainda um parecer da Autoridade da Concorrência segundo o qual a EDP tem feito uma utilização abusiva do atual sistema e que os atuais pagamentos correspondiam a “sobrecompensações” (mais recentemente acusando a EDP de lesar os consumidores em 140 milhões de euros entre 2009 e 2014). Considerando também os indícios de corrupção ativa e corrupção passiva no processo de criação dos CMEC, justifica-se perfeitamente uma renegociação destes contratos que atenue significamente os encargos do Estado. A estes exemplos juntam-se muitos outros.
Estas medidas libertariam recursos para uma estratégia diferente face ao investimento público, a capitalização do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, o financiamento dos serviços públicos e as prestações sociais do Estado.
Em Portugal, o índice da Economia Não Registada (ENR) subiu desde 10,2% em 1970 até 27,3% em 2015. Se este valor ficasse dentro da média dos países da OCDE, que se situa em 16%, o valor do PIB subiria mais de 10 mil milhões de euros, contribuindo significativamente para ampliar a receita fiscal. No entanto, não se verificou nesta última legislatura um verdadeiro combate à fraude e evasão fiscal que permitisse esta aproximação, com exceção de umas poucas medidas pontuais que saudamos (nomeadamente o aumento das multas às instituições financeiras que escondam transferências ou a obrigação por parte do Banco de Portugal de partilhar com a autoridade tributária as transferências para paraísos fiscais).
Vale a pena referir que os regimes excecionais de regularização tributária ou outras formas de repatriação do capital acompanhadas de algum tipo de amnistia, por não serem suficientemente esporádicos, têm o efeito perverso de acentuar o incentivo à fuga. Por outro lado, é difícil às entidades públicas garantir de forma credível que não recorrerão a este artifício, já que qualquer governo que viole esse compromisso será beneficiado no imediato, sendo que o prejuízo nacional estender-se-á pelas legislaturas que se seguem em diante. Por esta razão, o compromisso de não fazer uso deste tipo de receitas extraordinárias deveria estar sujeito a um pacto de regime, promovido pelo atual governo. Tal medida daria um contributo importante para diminuir as fugas de capitais e a evasão fiscal.
Também discordamos das alterações ao regime do Pagamento Especial por Conta, que constituem, a nosso ver, uma medida eleitoralista, que introduz arbitrariedade, aumenta a burocracia e o desperdício e atenta contra a necessária simplificação do regime fiscal, com a agravante de não se aplicar a empresas com problemas fiscais, o que pode tornar a sua insolvência mais provável. A impossibilidade das empresas liquidarem imediatamente o IVA ou a inexistência de uma conta corrente entre o contribuinte e a autoridade tributária são outras graves lacunas que conduzem ao desperdício de recursos e a atrasos e incertezas desnecessários.
Por outro lado, consideramos que a redução do IRC para as empresas no interior não constitui um estímulo suficiente nem apropriado aos objetivos de coesão territorial que se propõe alcançar. O investimento público em infraestruturas adequadas, nomeadamente a redução dos custos de mobilidade ou a existência de serviços essenciais no território, é muito mais eficaz e consequente relativamente ao propósito de combater o abandono do interior.
Sabendo ainda que a concentração da riqueza que se tem verificado nas últimas décadas exige o reforço de impostos sobre o património e as grandes fortunas para ser estancada ou revertida, lamentamos que o governo não tenha aproveitado este OE para reforçar este tipo de tributação. Na realidade, esta legislatura foi marcada por um tímido avanço inicial (aquele que ficou conhecido por “imposto Mortágua”), a que se seguiu uma inação injustificável.
Esta estratégia permitiria, por si, encontrar recursos para cumprir as metas para o saldo orçamental e ainda promover um ligeiro alívio fiscal das famílias (fundamentalmente focado numa redução do IVA dos bens essenciais e do IRS, acentuando a sua progressividade, e na eliminação de várias taxas distorcionárias e fiscalmente regressivas), sobrando ainda recursos para, em conjunto com a eliminação de desperdícios e redução de rendas excessivas, reforçar o investimento público, o financiamento dos serviços públicos e as prestações sociais do Estado.
Por fim, prevê-se neste OE a subida das receitas por via de alguns impostos indiretos com objetivos sociais de promoção da saúde pública ou de redução do impacto ambiental. Embora concordemos com estas alterações, defendemos que se deveria ir muito mais longe no que diz respeito à proteção e defesa do ambiente e combate às alterações climáticas.
A consolidação orçamental é um objetivo estratégico importante. Por um lado, todo o dinheiro que é usado para pagar juros ao grande capital é subtraído à capacidade de promover investimento público, assegurar prestações sociais ou garantir serviços públicos de qualidade e coloca Portugal numa situação de dependência face aos mercados financeiros, que pode colocar em causa a autonomia do país. Por outro lado, a boa gestão do ciclo económico exige políticas contra-cíclicas, sendo que a fase ascendente do ciclo deve ser acompanhada pela consolidação orçamental. Em oposição à “austeridade” – que era uma política pró-cíclica cujos resultados se vieram a revelar devastadores – é agora altura de promover a consolidação, até mesmo para acautelar e evitar episódios como esse, com todo o sofrimento e destruição que impõem à população.
Os dados do crescimento, do emprego e do investimento mostram que o ritmo da consolidação não tem sido excessivo. Mas as necessidades de reforço das prestações sociais, de alívio fiscal das famílias e de melhoria dos serviços públicos também não dão espaço a que seja mais intenso. Estas razões levam-nos a concluir que as metas propostas para o saldo orçamental têm sido prudentes e adequadas.
Este documento resultou do trabalho de todo o partido, com importantes contribuições da Assembleia do LIVRE e dos Círculos Temáticos. Obrigado a todos os que participaram.