IVG: 13 anos depois

Imagem: EFE/Mario Cruz

O ABORTO E OS DIREITOS DAS MULHERES

Até ao final do período ditatorial do Estado Novo os temas do planeamento familiar ou métodos contracetivos eram inexistentes nas políticas públicas, como resultado de um silenciamento das vozes das mulheres e dos seus direitos durante séculos.

Estima-se que durante a década de 70, o número de abortos clandestinos superasse os 100.000 por ano, resultando 2% destes casos  em morte da mulher. Morriam mais de 2.000 mulheres todos os anos, vítimas de uma política de silenciamento e persecução, sendo o aborto a terceira causa de morte durante estes anos. Apenas na Constituição de 1976 o planeamento familiar surge como competência do Estado, configurando a abertura aos Direitos Humanos  devida a tantas pessoas em Portugal. Apesar deste avanço histórico, a concretização de políticas públicas neste domínio apenas avançou no início dos anos 80 com as primeiras iniciativas legislativas sobre educação sexual e planeamento familiar. 

Assim, durante décadas, e até ao início dos anos 2000, dezenas de mulheres foram levadas a tribunal por terem abortado clandestinamente ou serem facilitadoras dessa prática. Apesar da  perseguição de que estas mulheres eram alvo, foram vários os movimentos e ativistas feministas que fizeram pressão política para fazer justiça pelos Direitos Humanos. 

 

O PROCESSO

Após uma luta de décadas, a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) foi votada favoravelmente em referendo realizado a 11 de fevereiro de 2007. Este marco histórico da democracia portuguesa resulta de um longo percurso de lutas, avanços e recuos.

Até 1984 o aborto era completamente proibido em Portugal. Nesse ano foi introduzida legislação que permitia a interrupção voluntária da gravidez apenas em casos de perigo de vida da mulher, perigo de lesão grave e duradoura para a saúde física e psíquica da mulher, em casos de malformação fetal ou quando a gravidez tivesse resultado  de violação

Somente em 1997 foi introduzido um alargamento do prazo para interrupção em casos de malformação fetal e em situações de “crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da mulher”.

O primeiro referendo sobre esta matéria, em 1998, previa a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimentos de saúde autorizados. Os resultados deste referendo, com uma taxa de abstenção de 68%. vieram a dar uma vantagem de menos de 50 mil votos para o “Não”. 

Foi preciso esperar até 2007 para que a mesma questão fosse novamente colocada aos portugueses. Desta vez, o “Sim” teve uma vantagem de quase 700 mil votos. Ainda assim, este resultado, que hoje celebramos, não foi vinculativo, uma vez que a abstenção ultrapassou os 50%, atingindo os 56%. Apesar disso, e dada a expressividade do resultado do referendo, nesse ano foi finalmente aprovada legislação que despenaliza a interrupção voluntária da gravidez. A Lei n.º 16/2007 veio possibilitar a correção de décadas de injustiça, prevendo a realização da IVG em diversas circunstâncias.

 

ONDE ESTAMOS E O QUE ESTÁ POR FAZER

Em 2019 registou-se o mais baixo número de interrupções voluntárias da gravidez em Portugal, com uma queda de 28% relativa a 2008, o primeiro ano em que há registo oficial destes números.  Mas ainda há muito por fazer. 

Para o LIVRE é urgente apostar em campanhas de planeamento familiar nas escolas (no 3º ciclo do ensino básico e secundário), trabalhando para uma maior articulação entre o trabalho feito nas escolas e os centros de cuidados de saúde primários.

Defendemos também a generalização da educação sexual nas escolas, formando e informando em assuntos que vão desde a igualdade de género, aos direitos sexuais e reprodutivos, e às questões de violência no namoro e de educação para a cidadania.

A informação é fulcral para a promoção da saúde e para a garantia da escolha informada, condições essenciais para assegurar uma vida plena e em liberdade.