Por um debate aprofundado sobre o racismo em Portugal

Por um debate aprofundado sobre o racismo em Portugal

O LIVRE considera que a acusação feita a 18 agentes da PSP da esquadra de Alfragide permitirá uma investigação séria e o apuramento da verdade sobre o que aconteceu em fevereiro de 2015, e espera que sirva para uma discussão mais aprofundada sobre o racismo estrutural em Portugal. Recordemos que esta acusação refere os crimes de tortura e tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, falsificação de documento agravado, denúncia caluniosa, injúria agravada e falsidade de testemunho, agravados pelo ódio e discriminação racial.

Saudamos os 6 cidadãos do bairro da Cova da Moura, outrora arguidos, acusados de invasão à esquadra de Alfragide (concelho da Amadora) em fevereiro de 2015 e sujeitos a termo de  identidade e residência (TIR), por terem avançado com a denúncia e uma queixa contra as autoridades policiais.

Os processos disciplinares instaurados anteriormente contra os agentes da PSP foram  arquivados pela IGAI (Inspecção Geral da Administração Interna), que considerou não existirem provas de má conduta dos agentes, pelo que  foram apenas aplicadas duas sanções menores a polícias. Mas agora a acusação do Ministério Público visa os 18 agentes da PSP – toda uma esquadra. Foram acusadas também uma subcomissária e uma agente dos crimes de omissão de auxílio e denúncia.

“Vão morrer todos, pretos de merda!”, ou “é melhor irem para o ISIS”, palavras que, se efetivamente proferidas pelos polícias, confirmam o racismo estrutural da sociedade portuguesa, aqui personificado pelos elementos da esquadra de Alfragide. E o racismo estrutural manifesta-se exatamente no quadro institucional, portanto no das relações de poder, e tem como impactos imediatos a manutenção de certos grupos em ciclos de pobreza, da exclusão económica, de direito e da cidadania, mas também se materializa nas detenções arbitrárias e violentas e na criminalização gratuita dos jovens. Neste quadro, os jovens negros são vistos como ameaças, os bairros periféricos alvos de rusgas policiais constantes e a sua população intimidada, para além do fraco investimento a que estão votados os serviços, os transportes e acessibilidade e as condições de habitabilidade, violando muitas vezes as liberdades e garantias constitucionalmente consagrados destes cidadãos.

O Estado português, e o Ministério da Administração Interna em particular, tem a tarefa de contribuir para a garantia da paz social mas nunca à custa da violação dos Direitos Humanos, que é exactamente o seu contrário. A violência policial é a violência do Estado, pelo que devem ser assumidas todas as responsabilidades por parte das entidades competentes. O racismo estrutural descredibiliza as instituições do país e fragiliza a atuação do Estado nas diversas áreas, ao mesmo tempo que procura a impunidade generalizada dos procedimentos discriminatórios e violentos das instituições. É preciso, por isso, lutar contra a impunidade da violência policial e institucional face às minorias nacionais, garantindo a justiça a todos aqueles que habitam o solo português, independentemente da sua nacionalidade, das suas origens étnicas e da sua condição social. Temos, enquanto Estado, mas também enquanto cidadãos, a obrigação de pressionar para que a criminalização do racismo seja fortemente dissuasora, porque todos somos e devemos ser iguais perante a Lei.

Se o bairro da Cova da Moura foi durante muito tempo manchada por imagens e notícias sobre o carácter “violento” da sua população, é de justiça dar-lhe agora protagonismo e transformá-la no centro-motor da luta anti-racista em Portugal.

Fotografias de Rui Palha, tiradas durante a festa de Kola San Jon na Cova da Moura em junho passado.

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