Sobre o Orçamento do Estado 2021: Resolução da 53.ª Assembleia

Sobre o Orçamento do Estado 2021: Resolução da 53.ª Assembleia

Resolução da 53ª Assembleia do LIVRE

Perante o momento grave que vivemos, a proposta do governo de Orçamento do Estado (OE) de 2021, entregue na Assembleia da República a 12 de outubro, fica aquém do que seria necessário para responder seriamente a uma crise de dimensões sanitária, socioeconómica e ambiental.

Nas circunstâncias atuais este nunca seria um orçamento regular. A imprevisibilidade da evolução e consequências da pandemia COVID-19 exigem uma resposta imediata de mobilização de recursos para serviços públicos essenciais – a começar pela Saúde – que mostram sinais de ruptura e desgaste. Ao mesmo tempo que o previsível agravamento da emergência climática e ambiental continua a expor a insustentabilidade do modelo económico em que vivemos, com consequências cada vez mais danosas para o equilíbrio dos nossos ecossistemas e saúde e bem-estar das nossas sociedades e população.

Contrariamente ao que aconteceu no início da crise financeira, desta vez a União Europeia construiu respostas de carácter reformista e orientadas para o investimento público no combate à pandemia e para a transição ecológica: suspensão do pacto de estabilidade; Plano de recuperação para a Europa; alteração das regras de uso dos fundos estruturais. Deste ponto de vista, a prioridade dada pelo governo à redução do défice em tempo de pandemia, secundarizando a prevenção e combate à pobreza e o desenvolvimento sustentável, é uma opção que não resulta de constrangimentos externos e que agrava as desigualdades estruturais da nossa sociedade e hipoteca o seu futuro.

O LIVRE foi eleito para a Assembleia da República sob os lemas da justiça social e justiça ambiental, com um programa orientado para a mudança do paradigma económico e social. Nessas eleições, propusemos o aumento do salário mínimo nacional para 900 Euros, progressivo durante a legislatura. O aumento agora proposto para cerca de 660 Euros, tal como os aumentos propostos para as pensões abaixo desse valor e o congelamento de todas as pensões que o excedem, são motivos de preocupação. Para inverter a reprodução intergeracional das situações de carência social e possibilitar novos modelos de prosperidade numa economia sustentável pós-pandemia, é fundamental que os apoios sociais e os rendimentos mais baixos superem e descolem do limiar de risco de pobreza. Ou seja, é preciso programar uma estratégia integrada e inter-sectorial de combate à pobreza, com políticas específicas e investimento público nas áreas do emprego, educação, apoios sociais, habitação, saúde e ambiente.

Consciente de que as vulnerabilidades sócio-económicas e a diversidade de modos de vida, trabalho e rendimentos fazem com que o paradigma vigente de Estado Social seja cada vez mais desadequado para as necessidades essenciais de grande parte da população, o LIVRE tem defendido um Rendimento Básico Incondicional de Emergência como instrumento complementar que não deixaria ninguém para trás, reduzindo ao mesmo tempo os custos e barreiras burocráticas ao acesso a apoios sociais. É verdade que esta seria uma medida de grande magnitude orçamental, mas a ajuda importante que chegará da União Europeia a todos os seus estados-membro poderia servir de alicerce para a sua implementação.

Reconhecemos que esta proposta de OE é substancialmente diferente dos orçamentos austeritários da coligação de direita e apoiamos a redução dos passes sociais, da taxa de IVA na electricidade, o aumento do salário mínimo e as medidas conducentes à neutralidade carbónica. Contudo, não encontrarmos ambição nesta proposta de OE, que arrisca fazer o país divergir ainda mais do cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, dado o reduzido impacto que as medidas nele propostas terão nos orçamentos familiares, na manutenção do emprego ou na reversão da situação de pobreza que já antes da pandemia atingia quase um quinto da população portuguesa.

Neste sentido, importa referir que o LIVRE defende a implementação de um Novo Pacto Verde – um Green New Deal – para fazer frente à emergência climática e ambiental, assegurar uma transição socialmente justa para uma nova economia verde através da criação de milhares de empregos em novos sectores económicos. Estas lutas, são para o LIVRE, absolutamente fundamentais para garantir que caminhamos para uma sociedade mais igual, mais justa social e ambientalmente, e mais livre.
Assim, enquanto partido da Esquerda Verde, consideramos esta proposta de OE globalmente insuficiente e não a poderíamos apoiar incondicionalmente.

No entanto, o LIVRE foi fundado sobre a visão de que perante um momento de crise como o actual, a esquerda deve procurar fazer pontes e construir os compromissos necessários à implementação de uma agenda governativa, que queremos, e quer a maioria de esquerda parlamentar, de ruptura com as respostas dadas durante a crise financeira. Porque achamos que a votação na generalidade da proposta de OE é uma ponte para a discussão na especialidade, o LIVRE abster-se-ia nesta votação. Perante a gravidade e incerteza da crise que vivemos, consideramos que o governo e as forças de esquerda – nomeadamente o PS, o Bloco de Esquerda, PCP e PEV – devem manter todas as vias de negociação abertas para melhorar substancialmente a proposta na especialidade com vista à aprovação na votação global final.