Voto de Pesar pela morte de Lauro António
Um dos mais notáveis e perseverantes dinamizadores da cultura cinematográfica em Portugal, Lauro António faleceu no dia 3 de fevereiro, aos 79 anos.
Filho da cidade de Lisboa, Lauro António de Carvalho Torres Corado nasceu a 18 de agosto de 1942. Após ter passado a infância e a adolescência em Portalegre, onde já se aproximava do cinema e do teatro, regressa à capital, licenciando-se no ano de 1958, em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ainda nesta fase universitária, envolveu-se na atividade cineclubista, tendo sido dirigente do Cine-clube Universitário e do ABC Cine-clube.
Inicia-se igualmente na crítica cinematográfica e já na década de 60, escreve para os jornais República, Diário de Lisboa, bem como na revista Plateia. Colaborou ainda com a Opção, o Diário de Notícias, A Capital, e o semanário Se7e, entre outros periódicos.
A sua entrada no mundo profissional do cinema, ocorre em 1975, quando rodou a curta documental “Vamos ao Nimas”, trabalho dedicado aos cinemas de Lisboa e um sinal de alguém que cedo pensou globalmente sobre o cosmos cinematográfico. Cinco anos depois, cria a sua obra maior, pela qual será destacado na história do cinema português – “Manhã Submersa” – numa adaptação para o cinema do romance homónimo de Vergílio Ferreira, seu cúmplice neste desafio. Posteriormente, filma ainda a série “Histórias de mulheres” e “Vestido Cor de Fogo”, entre outros projetos.
Como programador, salienta-se o trabalho que desenvolveu não apenas em salas relevantes como o Apolo 70, aberta em 1971 é uma das primeiras localizadas no interior de um centro-comercial, o Caleidoscópio e o Vox, todas em Lisboa, mas também na direção de festivais de cinema como o Festróia (Setúbal), o Cine-Eco (Seia) ou o Famafest (Famalicão).
Colabora com a RDP, com a RTP e com a TVI, em cuja grelha lança em 1994, um dos mais conhecidos programas televisivos dedicados à 7ª arte – “Lauro António apresenta” –, através do qual revela a um público alargado a vastíssima cultura de um cinéfilo insaciável, acabando até por ser satirizado por Herman José, seu amigo, na personagem memorável de Lauro Dérmio.
Com o título desse programa, cria um blogue no qual escreverá frequentemente e cuja última entrada data de 14 de janeiro deste ano, num artigo dedicado ao recente filme da realizadora Jane Campion, “The Power of the Dog”.
Publica várias obras sobre a 7ª arte, como “O Cinema entre Nós” (1968), “Cinema e Censura em Portugal” (1977), “David Cronenberg: As Metamorfoses Modernas” (1988), “Lauro António Apresenta” (1994) e “Visões de Cristo no Cinema” (2005).
No campo do ensino e da investigação, o seu entusiasmo cinéfilo leva-o a traçar um percurso de docência no IADE, na Universidade Nova, na Universidade Moderna, entre outros, tendo coordenado um grupo de estudos do Ministério da Educação para a integração no cinema no ensino.
A relevância do seu trabalho é celebrada e distinguida com diversas agraciações como o Prémio Carreira do Fantasporto, um prémio Sophia também de carreira pela Academia Portuguesa de Cinema e a condecoração com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique pelo Presidente da República.
E num generoso gesto que marca a última fase da sua vida, doa à Câmara Municipal de Setúbal parte do seu espólio composto por cerca de 50 mil bens, entre livros, filmes, fotografias, cartazes e outros documentos, incluindo objetos de um valor patrimonial único, como a placa exterior do Cinema Condes. Com este acervo, o Município inaugura em 2021, a Casa das Imagens em Setúbal, dirigida por Lauro António nas suas diversas valências, enquanto biblioteca, mediateca e arquivo, tendo-se ainda anunciado no conjunto das suas atividades, a organização de um ciclo evocativo dos 50 anos do Apolo 70.
O país vê assim, partir uma figura incontornável do mundo artístico, que nos deixa um enorme legado dada a sua diversificada carreira, percurso vasto de quem continuadamente fruiu, refletiu, redigiu, divulgou, ensinou, realizou e programou cinema. Foram várias as gerações que usufruíram da persistente vontade de Lauro António dar a conhecer a riqueza do universo da 7ª arte, num trajeto que se inicia ainda no Estado Novo e percorre toda a nossa democracia, demonstrando o quanto de cinematográfico é feita a sociedade, a cultura e o pensamento contemporâneos. É uma grande perda para o cinema, é uma grande perda para todos nós.
Voto de pesar aprovado por unanimidade na Assembleia Municipal de Lisboa de 8 de fevereiro de 2022
Fotografia: wikipedia