Lisboa condena e recorda 20 anos do início da Guerra do Iraque

Lisboa condena e recorda 20 anos do início da Guerra do Iraque

O LIVRE apresentou na reunião da Câmara Municipal de Lisboa a 22 de março, com a presença da vereadora em substituição Patrícia Gonçalves, o voto de condenação pelos 20 anos do início da Guerra do Iraque. O ponto 1 foi aprovado com abstenção do PSD/CDS. No ponto 2, o voto favorável foi unânime.

VOTO DE CONDENAÇÃO PELOS 20 ANOS DO INÍCIO DA INVASÃO DO IRAQUE

 

A 16 de março de 2003, Durão Barroso, o primeiro-ministro de Portugal, recebeu, na Base das Lajes, nos Açores,  o presidente norte-americano, George W. Bush, Tony Blair, Primeiro-Ministro do Reino Unido, e José Maria Aznar, o líder do governo espanhol, para um encontro que ficaria conhecido na História como a Cimeira das Lajes e que desencadeou o início da invasão do Iraque a 19 de março, sem o apoio das Nações Unidas, de grande parte dos países da NATO e da comunidade internacional. O alvo era o regime de Saddam Hussein, acusado de ligações à Al-Qaeda e de possuir armas de destruição maciça, uma alegação da qual nunca foram encontradas evidências.

Já antes do início da invasão, desencadeou-se uma enorme onda de protestos nas principais cidades europeias contra a iminente intervenção americana no Iraque que o filósofo alemão Jürgen Habermas descreveu como “o sinal do nascimento de uma esfera pública europeia”, com os protestos a expressarem “a indignação furiosa e impotente de uma multidão bem diversa dos cidadãos, dos quais muitos até então não tinham saído às ruas”.

A invasão, tanto aérea como no terreno, levou à queda do regime de Saddam Hussein e ao estabelecimento de um governo provisório liderado pelas potências invasoras. Saddam Hussein tinha mantido durante várias décadas um regime repressivo autoritário, encabeçado pelo partido iraquiano Ba’ath. A sua governação foi marcada por inúmeras atrocidades, nomeadamente, limpezas étnicas, perseguição de minorias, tortura, violações, uso de armas químicas, deportações e execuções arbitrárias de opositores políticos, para além das guerras lançadas contra o Irão e Kuwait. Em 2003, Saddam Hussein foi capturado, julgado e condenado a uma pena de morte por enforcamento, sentença que foi executada em 2006. A sua morte acabaria por provocar ainda mais ressentimento e ódio entre as fações sunita e xiita que dominavam o país.

Longe de diminuir, a violência continuou a irromper no Iraque nos anos seguintes. A invasão, motivada por alegações falsas, demonstrou o total desconhecimento de um país complexo como o Iraque, que acolhia uma variedade de minorias étnicas, culturais e religiosas, tendo os EUA tomado uma série de decisões militares e políticas desastrosas. Rapidamente formaram-se grupos de resistência contra a invasão que acabariam por precipitar uma guerra sangrenta. Como resultado da invasão do Iraque pelos EUA e alguns dos seus aliados, mais de 250 mil civis iraquianos foram mortos na guerra do Iraque.

Os recursos naturais do Iraque, em especial o petróleo, foram saqueados, e o sectarismo entre os vários grupos aumentou, em particular entre organizações xiitas e sunitas. Embora as eleições de 2005 tenham dado poder à aliança iraquiana xiita e Nouri Al-Maliki tenha sido nomeado primeiro-ministro, o Iraque acabaria por enfrentar uma elevada onda de instabilidade e violações de direitos humanos.

Em setembro de 2004, o então Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, considerou a invasão do Iraque como tendo sido ilegal à luz do Direito Internacional e constituiu uma violação da Carta das Nações Unidas. A invasão ilegal do Iraque provou perante o mundo que o recurso à guerra apenas conduz a ainda mais violência e brutalidade. Até à retirada das tropas americanas no ano de 2011, o Iraque já se tinha tornado o palco não só de uma guerra civil mas de uma grande guerra por procuração entre potências regionais, onde estiveram envolvidas várias organizações e milícias jihadistas sunitas, responsáveis por atentados à bomba contra a população xiita, sequestros e decapitação de estrangeiros.

Do caos dessa guerra irrompeu o auto-proclamado “Estado Islâmico no Iraque e Levante”, também conhecido pela sigla ISIS, que viria a aterrorizar as populações locais e várias partes do mundo com os seus atos brutais terroristas. Segundo os investigadores das Nações Unidas, as violações dos direitos humanos cometidas pelo “Estado Islâmico” indicam ter ocorrido genocídio, crimes contra a Humanidade e de guerra. De acordo com dados recentes, mais de 1 milhão de iraquianos foram forçados a abandonar as suas comunidades e mais de 4 milhões necessitam de assistência humanitária.

Vinte anos depois, as consequências trágicas da invasão do Iraque estão à vista. A população jovem está em grande parte desempregada e não vê perspetivas positivas para o futuro, muitas das milícias ainda estão ativas no terreno e o regime democrático é instável e precário.

Assim, o Vereador do LIVRE tem a honra de propor que a Câmara Municipal de Lisboa, reunida no dia 22 de março de 2023, delibere:

  1. Condenar veementemente a invasão militar liderada pelos EUA há vinte anos no Iraque, ilegal à luz do direito internacional, assim como o papel ativo que Portugal assumiu nessa guerra;
  2. Expressar a sua solidariedade a todas as vítimas da Guerra do Iraque e a todos os refugiados e migrantes iraquianos que ainda hoje continuam impossibilitados de regressar ao seu país, por medo de violência e perseguição.

 

 

O VEREADOR

Rui Tavares