Resolução da 67ª Assembleia do LIVRE
Este Orçamento do Estado (OE), sendo o primeiro a realizar-se na sequência do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), é uma oportunidade única para a Esquerda pensar e preparar Portugal no curto, médio e longo prazo. Exige-se, pois, que esta oportunidade não seja desperdiçada e que a Esquerda saiba estar à altura dos eleitores que lhe deram uma clara maioria de mandatos na Assembleia da República. No entanto, a proposta de OE para 2022 reflete a dificuldade que o Governo tem demonstrado em cumprir o que programa, como observado nos últimos orçamentos. A não disponibilização de informação sobre a execução orçamental em várias áreas, juntamente com a repetição de medidas nos vários orçamentos desde 2019, indicam falta de rigor na forma como o Governo concretiza o OE, com impacto nas negociações orçamentais. Promete, mas não cumpre; orçamenta, mas cativa.
O incumprimento de orçamentos é especialmente notório na Saúde. Após dois anos de desgaste para este setor, a proposta orçamental apresentada repete promessas de anos transatos, que nunca se concretizam, camufladas pelo aumento recorde de fundos que, na ausência de um plano concreto de aplicação, mais não é que um mecanismo de propaganda. É urgente uma estratégia global para a Saúde que garanta a autonomia de planeamento das instituições, a retenção dos profissionais no Serviço Nacional de Saúde e um plano de recuperação da atividade adiada pela COVID-19. A exaustão do sistema e seus profissionais, trazida pela pandemia, exige-nos o reconhecimento do seu valor por meio da adoção de medidas que respondam aos apelos dos trabalhadores e às necessidades da população, salvando o Serviço Nacional de Saúde.
A nível ambiental, destaca-se a criação e desenvolvimento de um Plano Territorial para a Transição Justa, com foco nos territórios que poderão ser mais afetados pelas mudanças necessárias a uma economia neutra em carbono. No entanto, não é uma medida de alcance reformista − como o Novo Pacto Verde proposto pelo LIVRE − que assegure uma transição para uma economia ecológica, solidária e justa, criando milhares de postos de trabalho em novos setores, ao contrário do observado na sequência do recente encerramento da refinaria de Matosinhos.
As medidas relacionadas com a proteção e conservação da natureza, da biodiversidade e dos ecossistemas continuam a ficar para segundo plano, tanto na reduzida despesa, como no âmbito limitado das medidas. Há, acima de tudo, um enunciar vago de intenções, cuja concretização não é explicitada, não sendo feita qualquer referência, por exemplo, ao património geológico, à problemática dos solos ou à erosão costeira.
O LIVRE reforça a necessidade de se trabalhar para alcançar os 10% de habitação pública. Só um parque público para arrendamento habitacional a custos acessíveis pode refrear um mercado especulativo que segrega quem tem menores rendimentos. Mas é preocupante o atraso na execução dos projetos e construção, arriscando o desperdício, só em 2022, de até 255M€ de fundos europeus. O país precisa de inovar, fomentando cooperativas habitacionais, a auto-construção e projetos de habitação evolutiva.
A proposta de fixação do Salário Mínimo Nacional de 750€ em 2023 fica manifestamente aquém do necessário. O LIVRE sempre defendeu um SMN de 900€ no final da legislatura. Assinala-se ainda a ausência de uma proposta de retribuição horária mínima garantida para trabalhadores independentes, como defendido pelo LIVRE.
O LIVRE lamenta que esta proposta de Orçamento não preveja nenhuma medida de valorização dos profissionais da Educação, nem responda à urgente necessidade de rejuvenescimento do corpo docente. A falta de atratividade da carreira representa uma séria ameaça a uma educação de qualidade e para todos.
O tão almejado valor de 1% do OE para a Cultura permanece distante, desconsiderando a importância estratégica do setor e as imensas vulnerabilidades técnicas, laborais e de recursos exacerbadas no período pandémico.
Sendo clara a diferença entre este orçamento e os orçamentos do período pré-2015, com o país a recuperar da pandemia exige-se mais do que a manifesta timidez apresentada pelo Governo, sem um programa ambicioso de investimento público que permita incentivar a recuperação económica, pondo particular ênfase na redistribuição de rendimentos dos escalões mais altos para os mais baixos. Se esta timidez já era criticada pelo LIVRE em orçamentos anteriores, antes e durante a pandemia, somos forçados a redobrar esta crítica.
Apesar de vivermos um contexto de crise pandémica e enfrentando uma aguda crise económica e social, o Governo terá de demonstrar boa vontade negocial, cumprindo com o acordado em orçamentos anteriores. O LIVRE apela a um compromisso político da maioria parlamentar de esquerda para uma governação mais estável e ambiciosa até ao final da legislatura.
As divergências atuais só se superam com uma renovação do diálogo entre as forças políticas de esquerda que não se extingue na discussão orçamental. O país precisa de um projeto governativo progressista que crie espaço para reformas há muito adiadas e sempre secundarizadas. A fragilidade dos serviços públicos, os elevados números de pobreza e os frágeis rendimentos e condições de vida da maior parte da população comprometem o nosso bem-estar pessoal e coletivo e as possibilidades das gerações futuras a curto e médio prazos.
A polarização do debate público e a ascensão de forças fascistas e de extrema-direita também se alimentam das crescentes desigualdades sociais e territoriais que todos os partidos de esquerda dizem querer combater prioritariamente. Este é o momento de o fazer, se uma maioria de esquerda não o faz, quem o fará?