Lisboa: Voto Saudação Atribuição do 36º Prémio Camões à poeta Adélia Prado

Lisboa: Voto Saudação Atribuição do 36º Prémio Camões à poeta Adélia Prado

Na reunião privada da Câmara Municipal de Lisboa, no dia 12 de julho de 2024, o vereador do LIVRE Rui Tavares apresentou um voto de saudação à atribuição do Prémio Camões a Adélia Prado, poeta, professora, filósofa, romancista e contista brasileira, galardoada com o mais importante prémio literário dedicado à literatura em língua portuguesa. O voto foi aprovado por unanimidade.

VOTO DE SAUDAÇÃO

Pela atribuição do 36º Prémio Camões à poeta Adélia Prado

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
‘coitado, até essa hora no serviço pesado’.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água
Quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

Adélia Prado, Ensinamento

 

No passado dia 26 de junho, foi anunciado a atribuição da 36ª edição do Prémio Camões à poeta, professora, filósofa, romancista e contista brasileira Adélia Prado.

O Prémio Camões, o mais importante prémio literário dedicado à literatura em língua portuguesa, foi criado em 1988 pelo Protocolo Adicional ao Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil «com o objectivo de consagrar anualmente um autor de língua portuguesa que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum» (Art. 1º do Decreto n.º 43/88, de 30 de novembro).

Adélia Prado nasceu em Minas Gerais, em 1935, na “cidade do Divino”, Divinópolis. Formou-se em Magistério e Filosofia. Começou a escrever desde os 14 anos. Na adolescência encontrou espaço para expressar-se ao fazer parte da Juventude Franciscana onde publicava sonetos com o pseudónimo de “Franciscana”. Mais tarde, aos 40 anos, já mãe de cinco filhos, estreia-se na poesia brasileira com a publicação do seu primeiro livro Bagagem, em 1976. Este foi um momento crucial para a escritora, devota de São Francisco de Assis. Não por acaso, Carlos Drummond de Andrade — ateu — escreveu na sua crónica De Animais, Santo e Gente, publicada no Jornal do Brasil, no dia 9 de outubro de 1975: «Há santos que ficam quietos na bem-aventurança, não descem do altar, só esperam devoção e respeito. O Francisco não. Acompanha a gente na cidade (…). Acho que ele está no momento ditando em Divinópolis os mais belos poemas e prosas a Adélia Prado. Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo.». Com o apoio de Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado iniciaria assim o seu percurso, inspirando também outras mulheres da sua época, de todas as idades, sendo atualmente considerada a mais importante poeta viva do Brasil, comparada apenas aos escritores do movimento árcade que participaram na revolta da Inconfidência Mineira, liderada por Tiradentes.

Numa sociedade profundamente religiosa como a divinopolitana, Adélia capta essa religiosidade no sentido carnal, extravasando um infinito sentimento de ligação com o mundo. A sua poesia é religiosa não porque retrata santos e divindades, mas porque remete a uma natureza que transcende os sentidos, explodindo de forma ao mesmo tempo sagrada, mas também intrinsecamente humana. O seu estilo barroco, como a própria poeta descreve, «eu sou de barro e oca, sou barroca», ilustra na perfeição essa contradição entre material e imaterial, “carne” e espírito.

A cultura popular também pode ser observada nos seus poemas e prosas. A descrição das personagens e situações que nos apresenta têm profunda conexão com o quotidiano mineiro. Adélia observa as situações, bem como a sua própria vivência, e dá-lhes forma, imortalizando o que seria vulgar e esquecido. Não por acaso, Adélia Prado transforma o dia-a-dia banal em versos perenes.

A atribuição do Prémio Camões de 2024 a esta grande escritora brasileira é, além de merecida, uma evocação da grandeza da língua portuguesa e a sua riqueza imaterial — um ato de deslumbramento; gratidão pela nossa língua, essa casa comum.

 

Assim, temos a honra de propor que a Câmara Municipal, reunida em sessão a 10 de julho de 2024, delibere:

  1. Saudar a atribuição do 36º Prémio Camões à poeta, filósofa, professora, romancista e contista brasileira, Adélia Prado;
  2. Comunicar este voto de saudação e reconhecimento a Adélia Prado;
  3. Ao nível das instituições brasileiras, comunicar este voto de saudação e reconhecimento à Secretaria Municipal de Cultura de Divinópolis, Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) de Minas Gerais e Ministério da Cultura (MinC) do Brasil;
  4. Comunicar este voto de saudação e reconhecimento ao Ministério da Cultura português.

 

Lisboa, 10 de julho de 2024

A VEREADORA

Patrícia Gonçalves