Na reunião extraordinária da Câmara Municipal de Lisboa, de dia 5 de julho de 2024, o vereador do LIVRE Rui Tavares apresentou um voto de pesar pelo falecimento de Fausto Bordalo Pinheiro, um dos maiores vultos da música popular e cultura portuguesa. Era uma figura incontornável pertencente a uma geração de artistas que fizeram da cantiga de intervenção uma arma de resistência e luta, mas também preservação de memória e busca de identidade. O voto foi subscrito por Paula Marques dos Cidadãos por Lisboa e aprovado por unanimidade.
VOTO DE PESAR
PELO FALECIMENTO DE FAUSTO BORDALO DIAS
Na madrugada do dia 1 de julho, faleceu, aos 75 anos, um dos maiores vultos da música e cultura portuguesa, Fausto Bordalo Dias, mais conhecido simplesmente pelo nome de Fausto, uma figura incontornável pertencente a uma geração de artistas que fizeram da cantiga de intervenção uma arma de resistência e luta, mas também preservação de memória e busca de identidade. Embalado pelo coletivo de lutas e pela ânsia por um país novo, com mais cultura, educação, saúde e habitação, Fausto acabaria depois por trilhar o seu próprio caminho musical, de uma grande riqueza, marcado pelo passado e com os olhos postos no presente e futuro.
Nascido em pleno oceano Atlântico, a bordo do navio Pátria, mar esse que marcaria tanto a sua futura obra, Fausto passou parte da infância e adolescência em África, onde se deixou contagiar pelos ritmos africanos que viria, mais tarde, a conjugar com a música tradicional portuguesa de origem beirã, do qual tinha um conhecimento profundo.
Instala-se em Lisboa aos 20 anos, onde conclui a licenciatura em Ciências Políticas no atual ISCSP. Em 1969 edita o seu primeiro sucesso, “Chora, amigo chora”, que o levou a ganhar o Prémio Revelação da Música Portuguesa, ao qual se seguiu, no mesmo ano, o lançamento do seu primeiro álbum “Fausto”. Com a aproximação ao movimento associativo de Lisboa, inicia a sua longa amizade e colaboração com um grupo de cantores e músicos politicamente empenhados e opositores ao regime do Estado Novo, como José Mário Branco, Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira.
Foi um dos fundadores do GAC (Grupo de Ação Cultural – Vozes na Luta) em maio de 1974, na companhia de José Mário Branco, José Júlio, Luís Pedro Faro, Eduardo Paes Mamede, Carlos Guerreiro, João Lóio, Afonso Dias, João Lisboa, Tino Flores, António Moreira, entre muitos outros. No período febril pós-revolucionário, o grupo realizou centenas de apresentações em todo o país e lançou alguns dos seus temas mais conhecidos como “A Cantiga é uma Arma”.
Nesta época, lança “Pró que Der e Vier” (1974) e “Beco com saída” (1975), trabalhos iniciais marcados pelos anos quentes da Revolução. “Madrugada dos Trapeiros” (1977) ou “Histórias de Viageiros” (1979) são álbuns que evidenciam uma faceta socialmente mais consciente e abrem caminho para a década de 80, em que assistimos a alguns dos seus maiores sucessos musicais.
Em 1982 lança “Por Este Rio Acima”, o primeiro da série “Lusitana Diáspora”, hoje unanimemente considerado como um dos álbuns conceptuais de música popular portuguesa mais marcantes das últimas décadas, inspirado nas viagens narradas na obra “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto. Com uma abordagem sensível e complexa ao tema das grandes explorações marítimas portuguesas, Fausto tece uma viagem musical que desbrava um mundo de aventuras e desventuras, movidas pelas grandes paixões da alma. De uma musicalidade inconfundível, que alterna estilos e linguagens, Fausto não resistiu ao fascínio do mar, sem esquecer a ligação telúrica a Portugal e às suas gentes, com letras que evocam o sentimento português de medo e desejo, pobreza e ambição, coragem e ganância, mas também pátria e diáspora.
Em 1994 é editado o segundo álbum da trilogia, “Crónicas da terra ardente”, e em 2011 encerra a trilogia com “Em busca das Montanhas Azuis”, formando assim uma série singular e ímpar na música tradicional portuguesa.
Com “Para além das cordilheiras” (1989) venceu o Prémio José Afonso. Em 2003 compôs “A Ópera Mágica do Cantor Maldito”, centrado na história portuguesa pós-25 de Abril. Na companhia de José Mário Branco e Sérgio Godinho, realizou o espectáculo “Três cantos” em 2009, que depois deu origem a um álbum com o mesmo nome.
Homenageado por múltiplos compositores e artistas da atualidade, das mais diversas gerações e géneros musicais, e autor de inúmeros temas memoráveis, é reconhecido hoje como uma das figuras cimeiras da música popular portuguesa e que, ainda assim, poderia ter tido mais reconhecimento em vida. O seu conhecimento e cultura ímpares, o seu talento artístico nas composições e a sua sensibilidade para construir um retrato singular de Portugal permitem-nos afirmar que Fausto deixou uma marca na cultura portuguesa.
Assim, o Vereador do LIVRE propõe que a Câmara Municipal de Lisboa, reunida em sessão a 5 de julho de 2024, delibere:
1 – Manifestar o seu profundo pesar pelo falecimento de Fausto Bordalo Dias, expressando à sua família e amigos as mais sentidas condolências;
2 – Remeter o presente voto de pesar à sua família.
Lisboa, 5 de julho de 2024.
O VEREADOR
Rui Tavares