A greve dos motoristas de transporte de matérias perigosas acabou nesta madrugada e afetou todo o país. Saudamos a postura de todas as partes envolvidas no alcance de um entendimento que permita sair do impasse. Mas esta greve expôs de forma clara vários problemas que o país enfrenta e que têm de ser pensados e resolvidos a curto, médio e longo prazo.
Problemas Laborais Atuais e de Futuro
O transporte destas matérias essenciais – como combustíveis, oxigénio, hélio – é assegurado por apenas 800 motoristas, que se encontram abrangidos pela categoria geral “Motoristas de Pesados” no seu contrato coletivo de trabalho. No entanto, o trabalho destes motoristas tem uma responsabilidade e um risco acrescidos e por isso lhes é exigida a certificação ADR, a renovar a cada cinco anos e que deve ser financiada pelas entidades patronais.
O Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) exigiu por isso, no âmbito do acordo coletivo de trabalho negociado com a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM), que seja criada uma categoria profissional própria, que considere um salário base mais alto, o reforço do subsídio de risco e também alterações ao trabalho extraordinário e noturno. A responsabilidade e o risco acarretam um preço que deve ser acautelado pelas entidades patronais. Aguardamos o desenvolvimento das negociações.
O trabalho de qualquer motorista de transporte rodoviário pesado de mercadorias, sobretudo em longas distâncias, é duro, de grande responsabilidade e desgastante. O trabalho extraordinário e noturno deve ser limitado e justamente remunerado. O acesso a reformas antecipadas deve ser facilitado. A formação e a atualização de conhecimentos – até para acompanhar alterações tecnológicas nos veículos – devem ser fomentadas, promovendo, se necessário, a facilidade na mudança de profissão.
Problemas de Proteção e de Segurança Social
Apesar da ANTRAM argumentar que o salário líquido que os motoristas de transporte de matérias perigosas é substancialmente superior ao seu salário base (630 euros), isto faz-se à custa de complementos salariais, subsídios de risco e ainda ajudas de custo.
Estes complementos ao salário base – usados de forma abusiva e generalizada em muitos setores – desprotegem os trabalhadores no valor a que terão direito numa eventual necessidade de acesso ao subsídio de desemprego e na reforma.
Além disso, se não forem tributados, representam contornos fiscais que desfalcam a Segurança Social – cuja sustentabilidade a médio e longo prazo é urgente discutir com seriedade.
Problemas na Privatização de Setores Estratégicos
O impasse de negociação no seio do setor privado afetou de forma global as pessoas e o país. O Governo teve de intervir, mediando a negociação, e declarando o estado de emergência energética, levando à definição de serviços mínimos, que, ainda assim, deixaram a população em estado de sobressalto, levando a longas filas de espera nos postos designados como prioritários. É urgente uma discussão ampla sobre as consequências da total ausência do Estado nos setores considerados estratégicos para o país.
Problemas Energéticos e de Descarbonização
A rapidez com que os combustíveis escassearam nos postos de distribuição revela a fragilidade do sistema e a relevância das questões energéticas. É urgente uma rápida transição para um modelo sustentado com base em energias renováveis, com produção e armazenamento locais, e com uma aposta na eficiência do uso da energia nos transportes e em todos os outros setores. O sistema de mobilidade tem de ser redesenhado, tornar-se mais abrangente, resiliente e flexível, não podendo depender exclusivamente do transporte particular – que pode ser uma escolha mas não a única opção dos cidadãos.