Não basta a demissão da diretora.
A morte de um cidadão ucraniano às mãos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de forma particularmente violenta, é inadmissível. Apesar de ainda decorrer o processo judicial, o Ministério da Administração Interna (MAI) não retirou deste caso quaisquer conclusões, mesmo depois da diretora do SEF que agora se demitiu, Cristina Gatões, admitir que o cidadão tinha sido alvo de tortura às mãos do Estado.
Na sequência da morte de Ihor Homeniuk, em março, as circunstâncias e motivos foram sendo clarificados, tanto através das declarações da diretora do SEF como do relatório da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI). Essas duas revelações mostram que a violência e a inimputabilidade são dominantes no SEF.
O relatório do IGAI mostra que o cidadão foi manietado, agredido e deixado a asfixiar até à sua morte, e que subsequentemente a essa morte, os serviços tentaram ocultar a “verdade com a consequente obstrução à instrução de processos de natureza criminal e/ou disciplinar”. Ou seja, não só o SEF torturou e matou um cidadão, como também tentou encobrir o ato. O relatório avança ainda que o serviço do SEF caracterizava-se por “diversas ilegalidades, muita descoordenação, informalidade, desgoverno e incúria”.
O LIVRE assiste incrédulo ao decorrer deste processo, que ainda se encontra em instância judicial. No entanto, há factos políticos graves e incontornáveis e aos quais o Governo português tem de dar resposta.
O MAI deve retirar deste caso, e da forma como o SEF lidou com o ocorrido, as devidas consequências políticas. O Estado português tem de garantir o cumprimento do Estado de direito em todas as situações, a todos os cidadãos, sem exceções, sem ocultações. É por isso também gravosa, e reflexo da ausência de imputabilidade, a proposta de ter um “botão de pânico” nas instalações do SEF. Aliás, as queixas de tratamento dos cidadãos – tanto os que chegam a Portugal como aqueles que cá vivem – por parte do SEF são antigas e recorrentes.
O cumprimento dos direitos e liberdades de todos os cidadãos não pode ser colocado em dúvida por qualquer que seja o serviço do Estado. O Estado deve garantir a segurança e proteção da integridade de todos os cidadãos, particularmente aqueles que tem sob a sua guarda. Por isso é crucial estabelecer uma relação de confiança entre os cidadãos, o Estado e todos os seus representantes. Para alcançar essa relação é necessário que todos os serviços sejam transparentes, competentes e motivados, e é necessário que cada um de nós seja tratado de forma justa e igualitária.
Por tudo isso, o LIVRE defende que o SEF deve ser fiscalizado e supervisionado por outra entidade, cumprindo as diretivas europeias que apontam nesse sentido, o apoio jurídico prestado a quem se encontra no SEF tem de ser efetivo e garantido, e é urgente um reforço da formação dos inspetores como reivindicado pelos próprios.
O LIVRE acompanha este caso estupefacto, na expectativa de que o Governo português retire as devidas conclusões políticas face à gravidade da situação. É imperioso que seja feito um pedido de desculpas e prestadas explicações à família, que a família receba uma compensação, e, sobretudo, que se assista a uma profunda reformulação do SEF, na sua estrutura, política e funcionários. Um cidadão morto ao cuidado do Estado português, uma família com uma vida ceifada, um serviço estatal à margem da lei, e o Estado de direito suprimido não são aceitáveis.