Sobre os recentes acontecimentos na Faixa de Gaza, Israel e Palestina
por moção aprovada por unanimidade na 90.ª Assembleia do LIVRE, a 11 de outubro de 2023
Centenas de pessoas, na sua maioria civis desarmados e inocentes – incluindo menores de idade – foram brutal e cruelmente assassinadas no passado sábado, dia 7 de outubro, em Israel, na sequência de um ataque premeditado e planeado pelo grupo terrorista Hamas. A morte, violação, tortura e rapto indiscriminado de civis não pode nunca ser justificado e deve encontrar em nós a mais viva condenação e repúdio.
Os perpetradores agiram sob as ordens de uma organização terrorista, o Hamas – que não pode ser confundida com a justa causa do povo palestiniano à autodeterminação. A causa do Hamas não é a libertação e a autodeterminação do povo palestiniano, mas antes a opressão do povo palestiniano sob um regime tirânico e teocrático, que já mantém como reféns os milhões de palestinianos cercados por Israel na Faixa da Gaza e que se tem constituído como obstáculo deliberado – incluindo através do recurso à guerra civil contra os restantes palestinianos – a que este povo possa construir o seu Estado. A causa do Hamas continuaria a ser a opressão dos palestinianos caso tivessem sucesso no seu intento declarado de abolir o Estado de Israel. Judeus e cristãos, muçulmanos xiitas e de crenças que o Hamas considera heréticas, mulheres, pessoas LGBT+ e minorias étnicas, linguísticas ou religiosas continuariam a ser as primeiras vítimas de qualquer regime dominado pelo Hamas. A condenação às ações do Hamas deve ser absoluta, total, inequívoca e imediata.
O LIVRE, reiterando o seu apoio ao direito à autodeterminação do povo palestiniano, vê com muita preocupação a escalada da guerra nesta região, com os seus impactos em populações civis e indefesas, os seus efeitos sobre a instabilidade global e a provável repressão das vozes pela paz e do campo secular e democrático tanto na sociedade palestiniana como na sociedade israelita.
Ações de resposta do Estado de Israel ao ataque do Hamas, como os bombardeamentos de alvos civis, incluindo da ONU, ou o cerco total e corte de abastecimento de água, de comida e de energia, configuram crimes de guerra, e violação dos direitos humanos, tendo resultado nos últimos dias em milhares de vítimas civis e na destruição massiva de casas e infraestruturas. Esta é uma violação da lei internacional, que reconhece o direito dos Estados à legítima defesa, bem como ao resgate de vítimas civis, com a adequada necessidade e proporcionalidade e o dever de respeito pelo direito internacional humanitário. Como qualquer outro Estado internacionalmente reconhecido, o Estado de Israel tem esses mesmos direitos e deveres.
A violação da lei internacional tem sido a prática por parte do governo israelita e do atual Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, com o uso desproporcional e recorrente de força sobre o povo e os territórios palestinianos, seja Gaza, seja a Cisjordânia, de forma brutal e indiscriminada, suscitando as mais duras críticas pelas organizações que monitorizam o respeito pela lei internacional e pelos direitos humanos. Benjamin Netanyahu deixa claro o resultado da ascensão e normalização da extrema direita Israelita, mostrando abertamente que não há qualquer intenção de recuar na ocupação e fazer cumprir o Direito Internacional e os Direitos Humanos do povo palestiniano. São absolutamente condenáveis a violência diária, o assassinato de civis – incluindo crianças, a ocupação do território palestiniano e a privação a que Israel sujeita o povo palestiniano, como aliás tem sido reiterado em sucessivas condenações por parte das Nações Unidas.
É por isso urgente que as autoridades nacionais e internacionais acompanhem com toda a atenção a situação no terreno, lembrando que nenhuma intervenção pode pautar-se por um qualquer princípio de atribuição de culpas coletivas mas deve antes reger-se pelo respeito pelos mais elementares direitos humanos e necessidades básicas das populações, como o abastecimento de água e de energia.
O papel da Europa e de Portugal deve ser o de tudo fazer para contribuir para que israelitas e palestinianos possam viver em paz e segurança. A Europa não se pode esquecer que, pelos seus trágicos erros passados, tem uma responsabilidade pela génese deste conflito. Por isso, a Europa deve esforçar-se por ter um papel credível na busca de soluções. Deploramos as declarações feitas pelo comissário Oliver Varhelyi, que, à revelia da própria Comissão Europeia e do Conselho, anunciou uma suspensão de ajuda humanitária aos palestinianos, e apelamos ao governo português e à Comissão Europeia para que, pelo contrário, essa ajuda seja disponibilizada imediatamente e reforçada a organizações pacíficas que permitam fortalecer a sociedade civil e a construção de um Estado palestiniano viável e democrático.
O LIVRE defende também que a União Europeia deve reconhecer a independência da Palestina e a Autoridade Palestiniana como a legítima e secular representante do povo palestiniano, o que contribuirá para isolar e conter agentes oportunistas como a organização terrorista Hamas. E ao invés de interromper qualquer apoio, a União Europeia deve, sim, contribuir para o desescalar da violência e promover todo o tipo de iniciativas globais que fortaleçam o campo da paz, sem perder de vista soluções de compromisso que permitam que todas as pessoas vivam em autonomia e segurança. Por isso, deve voltar a ser colocada em cima da mesa a solução dos dois Estados, e exigido o fim da ocupação e dos colonatos na Cisjordânia, bem como da ocupação da Faixa de Gaza e dos Montes Golã – ilegais de acordo com o direito internacional -, o regresso dos refugiados palestinianos que foram expulsos ou forçados a abandonar as suas terras desde a criação do Estado de Israel em 1948, e o fim do sistema de apartheid a que estão sujeitos os palestinianos pelo Estado israelita.
A Assembleia do LIVRE, na sua reunião de 11 de outubro de 2023, delibera:
- Expressar o seu mais profundo pesar pelas vítimas dos ataques do Hamas no sábado dia 7 de outubro e pelas vítimas da contra ofensiva israelita que decorre desde esse dia;
- Exigir um cessar-fogo imediato em toda a região e a libertação imediata de todos os reféns;
- Exigir que não seja cortado o acesso de água, comida ou energia à Faixa de Gaza e que sejam criados corredores humanitários para apoio ao povo palestiniano;
- Instar o governo português a agir intensamente nas instituições internacionais pela defesa dos direitos humanos e do direito à autodeterminação, pelo respeito do direito internacional humanitário e pela promoção da resolução pacífica de conflitos;
- Apelar à resolução deste longo conflito pela via da paz, do respeito à autodeterminação dos povos e do respeito integral pelos direitos humanos bem como pelo cumprimento das resoluções da Organização das Nações Unidas que instam ao fim da ocupação da Palestina, ao fim do colonatos ilegais, ao fim do bloqueio da Faixa de Gaza e ao fim do sistema de discriminação sistemática de palestinianos descritos por observadores internacionais como apartheid.