Lisboa: Voto de Saudação pelo Dia Mundial do Refugiado

O LIVRE apresentou, na reunião da Câmara Municipal de Lisboa de 29 de junho de 2022, um Voto de Saudação ao Dia Mundial do Refugiado.

Voto de Saudação ao Dia Mundial do Refugiado

Todos os anos, a 20 de Junho, as Nações Unidas assinalam o Dia Mundial do Refugiado. Em 2022, o foco assenta no “direito a procurar segurança”, sob o lema Quem quer que sejam, de onde vierem e sempre que forem forçados a fugir.

Infelizmente, novos motivos surgem a cada ano para destacar a data. Em meados de 2021, as estimativas da organização apontavam para a existência de mais de 27 milhões de refugiados em todo o mundo. Hoje, o número aproxima-se do valor mais elevado de sempre: devido à invasão da Ucrânia pela Rússia em Fevereiro passado, o número total de refugiados disparou para mais de 30 milhões(1). Só na Ucrânia, a guerra causou já mais de 7 milhões e meio de refugiados. No interior do território, o número de deslocados ronda os 7,7 milhões, o equivalente a mais de 17% da população ucraniana(2). Poucas semanas depois do início da guerra, gerou-se uma das maiores crises humanitárias das últimas décadas em solo europeu, que, de acordo com a ONU, se configura como a maior situação de pessoas em trânsito desde a Segunda Guerra Mundial.

As movimentações de pessoas em larga escala não são estranhas na Europa. Nos anos de 1935-45, a desordem rebentou na Europa, e com ela, iniciou-se uma intensa circulação de populações civis. A ascensão do fascismo tornou a Alemanha perigosa para os judeus; na Espanha, conduziu a uma guerra civil. A Segunda Guerra Mundial devastou regiões inteiras. Milhões de pessoas ficaram sem casa. Por toda a Europa, as fronteiras foram redesenhadas em função das vitórias e das derrotas do conflito, e assistiu-se ao maior deslocamento de pessoas da história. Tornou-se urgente arranjar soluções, quer para os deslocados, quer para os próprios países. Foi neste contexto que se deu a primeira tentativa de “organizar” refugiados em larga escala, com vista à criação de um sistema de refugiados, no âmbito da então recém-criada Organização das Nações Unidas.

Adotada em 1951, a Convenção de Genebra prevê o direito ao asilo — um direito humano, reconhecido desde logo pela própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo a qual “Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países”. Hoje, a Convenção de Genebra mantém-se o instrumento legal estruturante da ordem internacional nesta matéria, assente na ideia de que, quando os próprios países são incapazes ou não querem assegurar os direitos humanos dos seus cidadãos, eles devem ter o direito de atravessar fronteiras e procurar um refúgio seguro. Trata-se, não de uma iniciativa voluntária, fruto da generosidade dos Estados, mas de uma obrigação decorrente da lei internacional. Este compromisso e esta responsabilidade são globais, e como tal, devem ser partilhados por toda a comunidade internacional. É um verdadeiro dever humano, assente nas ideias da solidariedade e da cooperação internacional.

Não é ao que se assiste agora em certos países europeus, como o Reino Unido, apostado em devolver os requerentes de asilo que chegam ao seu território para o Ruanda — país com um sombrio historial de direitos humanos. Nem tão pouco o que fizeram os Estados-Membros da União Europeia, em resposta à “crise síria de refugiados” de 2015: fundamentalmente, externalizaram a proteção devida aos refugiados, através de um acordo financeiro com a Turquia, e do apoio financeiro às políticas de contenção de requerentes de asilo no Mediterrâneo, levadas a cabo pela guarda costeira da Líbia.

Por este se tratar de um problema mundial, e que deve ser enfrentado a essa escala, o LIVRE tem defendido a criação de um passaporte internacional humanitário, a ser atribuído pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, forma mais eficaz de resolver em justiça e segurança a situação dos refugiados pertencentes às categorias humanitárias mais prioritárias, incluindo as mulheres e crianças vítimas de violência física e sexual, as vítimas de tortura, os necessitados de cuidados médicos indisponíveis nos campos de refugiados e aqueles que correm risco de vida imediato, com a colaboração estreita entre a União Europeia e o resto do mundo.

Apenas na atual “crise ucraniana de refugiados” temos visto a União Europeia estar à altura dos seus valores: sem hesitações e com pleno consenso, pouco mais de uma semana depois do início da invasão, a UE ativou os instrumentos legais de que dispõe há décadas para gerir fluxos massivos de pessoas em fuga a situações de guerra ou violência, abriu as fronteiras, preparou-se para acolher e disponibilizou apoio financeiro imediato.

A lei europeia incorpora todos os princípios da lei internacional: protege o direito ao asilo, nos termos dos seus próprios tratados e da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais. Proíbe as expulsões coletivas e prevê expressamente a proibição de repelir requerentes de asilo para países onde os seus direitos humanos possam estar em risco.

Esperemos que, de agora em diante, a União Europeia se mantenha no rumo certo: com Quem quer que sejam, de onde vierem e sempre que forem forçados a fugir.

Assim, o Vereador do LIVRE propõe que a Câmara Municipal de Lisboa, na sua Sessão Pública de 29 de Junho de 2022, delibere:

Saudar o Dia Mundial do Refugiado, saudando os esforços na cidade de Lisboa, em Portugal e na União Europeia pelo acolhimento de refugiados, qualquer que seja a sua proveniência.

 

Lisboa, 20 de Junho de 2022

 

(1) Refugee Data Finder, United Nations High Commissioner for Refugees: https://www.unhcr.org/refugee-statistics/
(2) Operational Data Portal/ Ukraine Refugee Situation, United Nations High Commissioner for Refugees: https://data.unhcr.org/en/situations/ukraine