Uma política cultural de investimento

Uma política cultural de investimento

Safaa DibO alemão-austríaco Fritz Lang, um dos nomes incontornáveis do cinema do séc. XX, estava prestes a enfrentar a pior altura possível para desenvolver trabalho criativo na Alemanha, nos anos vinte e trinta. Após estabelecer a sua reputação no cinema, testemunhou a ascensão do partido de Hitler ao poder, em Berlim, em 1933. Poucos meses depois, uma das suas obras-primas, O Testamento do Dr. Mabuse, foi banida das salas de exibição. Conta-se que ainda assim, Goebbels, o ministro da Propaganda e um admirador do cineasta, lhe teria oferecido o cargo de diretor dos estúdios de cinema alemães, mas – numa versão hoje considerada largamente romantizada – Lang teria fugido nessa mesma noite, com a roupa e o dinheiro que tinha no corpo, num comboio para Paris.

Lang, mais tarde, estabeleceu-se nos EUA e fez parte de uma vaga impressionante de realizadores e artistas de origem alemã e austríaca que foram acolhidos pelos estúdios americanos e desenvolveram algumas das mais importantes obras da sétima arte. Em muitas dessas obras brilhantes são contadas histórias de intolerância, resistência, denúncia e os horrores da guerra.

O que sempre me impressionou nesta história romantizada de Lang a fugir num comboio noturno para Paris foi a inevitabilidade da fuga. Ele sabia, como outros então souberam, que chegara a altura certa de fugir. Não só realizadores e atores, mas também inúmeros escritores foram forçados ao exílio. Todos souberam que a Europa onde tinham nascido estava perdida para um monstro que cobria o continente com a sombra das suas asas de intolerância e morte. Retirara-lhes o direito à nacionalidade e confinara a identidade deles à religião dos seus pais.

Assim, dezenas de artistas foram forçados a escapar da Europa para lugares onde pudessem exercer a liberdade de se exprimirem artisticamente e sem receios.

Hoje, os nossos representantes culturais, bem como os europeus, não enfrentam o mesmo tipo de risco de vida ou morte como nas décadas de trinta e quarenta (embora na Europa do Leste haja sinais alarmantes). No entanto, existe um atual estrangulamento financeiro – lento e consistente – que retira qualquer possibilidade de um florescimento artístico e cultural digno desse nome. Ao contrário de muitos que pensam que, em tempos de crise, deveríamos focar todas as energias na resolução da situação económica e social precária, não acredito que a Cultura deva ser deixada para trás e encarada como um luxo destinado apenas para tempos de prosperidade. Temos o direito de existir sem ter que pensar apenas no nosso próprio sustento básico e temos o direito de enriquecer e entreter as nossas mentes.

Mas três anos de austeridade acabaram com qualquer ilusão de que os nossos governantes se importam com a Cultura. As políticas culturais são inexistentes, enterradas no quintal como sucata. Tecnocratas limitam-se a fazer a gestão dos 0,2% de orçamento que lhes são destinados e falam da cultura que é “possível” nestes tempos.

Não querendo ceder à apatia ou à indiferença, quis fazer parte deste projeto político que é o LIVRE não só porque sinto grandes afinidades ideológicas, mas porque sei que o LIVRE dá importância ao estímulo de políticas culturais, não só a nível nacional mas também europeu, e sabe que estas políticas de incentivo às indústrias criativas e culturais geram emprego e crescimento económico. A União Europeia e o Estado devem assegurar investimento público que valorize estas indústrias, lutar pela sua diversidade e por uma política que as salve de um estado de penúria e desfalque. Não queremos assistir a um futuro em que Portugal é apenas capaz de absorver a Cultura feita por outras nacionalidades porque já não tem os meios para produzir e exportar a sua própria Cultura. E a verdade é que não estamos assim tão longe desse futuro.

Desejava que os artistas e intelectuais de hoje não tivessem que ser confrontados, como Lang e outros foram, com a questão “Chegou o tempo de fugir?”. Este é o tempo para travar esta onda que nos ameaça submergir a todos e manter-nos num estado de exaustão social e laboral. Chegou a altura certa para resistir através do voto no dia 25 de Maio e terminar esta loucura de escravatura financeira em nome do qual tudo passou a ser legítimo. No dia 25 de Maio, voto LIVRE para começar a marcar a diferença no centro nevrálgico onde tudo se decide, a Europa.

 

Safaa Dib, candidata do LIVRE

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