Sentei-me à mesa, com o olhar no monitor, a pensar no que devia escrever em tão curto espaço de papel. Solidariedade Europeia? Construção da democracia? A legitimidade governativa? A perda de direitos? Nenhum destes tópicos me estava particularmente a apetecer. Decidi então escrever sobre todos eles. De certa forma. A palavra não se esgota no pensamento.
Hoje, escrevo-vos sobre representação. Representação é um chavão clássico no meu meio profissional: no meio das universidades, do conhecimento e, em particular, das humanidades. Refere-se a um stock de valores, ideias, crenças, imaginações e práticas partilhadas que estruturam o quotidiano de um determinado grupo ou comunidade de pessoas – estas comunidades poderão ter as mais variadas escalas, indo de um pequeno prédio de uma qualquer localidade sem mapa ao planeta Terra na sua globalidade. Representação refere-se à criação de padrões de significado que moldam e informam a nossa presença no Mundo. Trocando por outras palavras, as representações são uma espécie de pré-conceitos que nos permitem interagir uns com os outros sem parecermos uns “maluquinhos”.
Porventura alguns saberão que fiz um doutoramento em geografia na Universidade de Londres sobre a construção de identidades nos espaços de mobilidade da União Europeia. Vagueei pelas autoestradas, aeroportos e estações da União. Dormi em bombas de gasolina. Almocei em estações de comboio. Li jornais em aviões. Andei numa carrinha com músicos em tournée. Partilhei hotéis com eurodeputados. Transformei em lugar os não-lugares do Augé. Um dos capítulos dessa tese fala da vida de alguns camionistas portugueses nas rodovias da nossa Europa. Lancei-me à estrada pomposo e romântico. Sentia-me no início de uma aventura. Cá dentro, olhava-me como o Jack Kerouac português.
Aquilo que me propus estudar, para o doutoramento, centrava-se precisamente nas representações dos camionistas. Quais os seus valores, ideias e crenças? Em que acreditavam? Como era representada a estrada para eles? O que fazia da vida da estrada uma coisa certamente tão interessante e romantizada? Poucas semanas depois, vi-me cabisbaixo. Levei uma chapada de realidade. Ao longo dos meses que passei na estrada com os camionistas, a vida adensou-se. E, com isso, o meu estado de espírito. As representações sociais – como nós lhe chamamos na antropologia ou na sociologia – pareciam pouco interessar face a um outro tipo de representação: a representação política.
Na estrada, todos me falavam de uma “Europa lá longe” que se fazia “contra nós”. Todos me falavam de uma Europa que redigia “as leis contra nós”. Todos me falavam de uma Europa que era “só restrições, e regulamentações, e regras, e regrinhas”. Todos me falavam de uma Europa de “vigaristas e aldrabões”, fechados num gabinete a escrever normas que não “colavam com a realidade”. A Europa para os camionistas era uma qualquer entidade pouco geográfica que existia para, perdoem-me a expressão, os “quilhar”.
Ninguém ali votava nas Europeias. Ninguém ali sabia o que era a Comissão Europeia. Ninguém ali sabia o que era o Conselho Europeu. Ninguém ali sabia o que era o Parlamento Europeu. Quanto mais quantos deputados elegíamos. Mas sabiam que a Europa os “quilhava”.
Este é, porventura, o maior drama da nossa enferma Europa: a distância. A distância entre nós e eles. A distância entre portugueses e alemães. A distância entre cidadãos e extracomunitários. A distância entre os eurocratas e as pessoas. A distância entre os comissários e os trabalhadores. As distâncias que se criaram numa Europa da proximidade sem fronteiras. Que tamanho paradoxo. A Europa, aos olhos dos mais telúricos portugueses, é uma distância. É algo lá longe… para lá dos Pirenéus. E, mesmo para quem se aventura para lá de Irún ou de La Jonquera, a Europa é algo que se encontra ausente deles. Para os camionistas, a Europa não chega às bombas de gasolina. Ou melhor… chegar, até chega, mas para os entalar.
É por isso que precisamos de uma outra maneira de fazer política: uma política mais próxima das pessoas. Mais próxima dos cidadãos. Mais próxima, até, dos não-cidadãos. Mais próxima das suas preocupações. Mais participativa. Mais atenta. Mais auscultável. Uma política que proteja os jovens e os velhos, os homens e as mulheres, os trabalhadores e os desempregados, os precários e os pensionistas. Que lhes dê voz. Que os ouça. Que lhes abra as portas da cidadania. Que lhes abra as portas da participação. Que, numa palavra, os represente. Podemos, no próximo dia 25 de Maio, começar a fazê-la. Com o LIVRE.
André Nóvoa, candidato do LIVRE