Se tivesse feitio para este tipo de mentalidade, diria:
— Que se lixe, eu já estou no “quentinho”, aqui no paraíso-fortaleza suíço.
Se calhar devia ouvir a minha mãe:
— Oh filha, no que te metes, acabaremos numa reserva de índios, é que não vale a pena, para quê?
Ou alguns amigos:
— Eh pá, isto é um problema profundo, de mentalidade, não há educação!
E para todos tenho a mesma resposta: prefiro morrer a tentar que só morrer. Há dois verbos e de um estou certa do desfecho, no outro há mistério e aventura.
A maior riqueza da Suíça não são os seus lingotes de ouro no subsolo de Zurique. Esses são só o produto. O maior tesouro nacional também não é o seu sistema de transportes coletivo. Também esse é um produto. É a qualidade da sua democracia. Há 800 anos a pôr a mão no ar; a questionar os representantes eleitos na comuna. Há 800 anos a referendar; há 800 anos a refletir e refinando o seu sistema de leis para impedir a regressão à média. E, no entanto, o investimento nunca cessa, a democracia não é um estado físico dicotómico, que existe ou não existe. É mais um enorme jardim que exige trabalho coletivo. E, para que seja de qualidade, todos temos que dar o nosso pedaço e todos temos que nos questionar, continuamente, sobre a forma como o fazemos. E tanto está ainda por fazer, como as incoerências entre os tratados internacionais que assinam e as questões aceites a referendo.
Só que não é por acaso que o contrato social vem de um tal de Jean-Jacques Rousseau, nascido em Genebra. Publicado 13 anos antes do terramoto de Lisboa de 1755 e 27 anos antes da Revolução Francesa. Nada disto é por acaso. E também não é por acaso que Portugal nada aprendeu desta sua catástrofe.
Deduzi assim a hipótese epidemiológica que é a democracia semi-direta que tem atuado ao longo do tempo como um vetor de força sobre a distribuição da educação na população. Fazendo deslocar a média no sentido do progresso social. Esta hipótese parece-me plausível se pensarmos que há aqui um incentivo individual ao investimento na educação. Se o meu próximo não tiver aprendido a respeitar os meus valores e eu os dele, se não nos fizermos minimamente competentes no pensamento crítico, estamos condenados a sabotarmo-nos um ao outro. E quanto aos interesses? Os tais interesses instalados? Não há instalação para a força elegante do trabalho de consenso. A famosa mediação que faz os suíços exportar negociadores como Portugal exporta engenheiros. Este argumento do consenso na Suíça não é um argumento ideológico, é um argumento económico. É o instrumento de menor esforço para aumentar eficiência e eficácia de um processo de decisão. E é neste esforço de maratonista em busca do consenso que se revelam os interesses instalados, o peso relativo do seu mérito. E eventualmente se avança.
E é este para mim o vinho de dignidade do projecto do LIVRE – a Democracia, a Ecologia, também na sua conotação social. Libertando o Homem do seu estado inconsciente de animal egoísta para um estado ainda de animal egoísta, somo-lo todos o tempo todo; mas, ao menos, consciente dos riscos que este estado acarreta para a sua própria sobrevivência.
Por isso, prefiro dizer à minha mãe “até podemos acabar numa reserva de índios, mas ao menos que seja porque assim o quisemos!”
Luísa Álvares, candidata do LIVRE