A carta enviada pelo Governo português ao Conselho da União Europeia, justificando a nomeação de José Guerra para procurador europeu, tem três informações erróneas. O processo de nomeação para a Procuradoria Europeia encontra-se dominado pela opacidade e ausência de sentido de responsabilidade de Governo e Assembleia da República.
O LIVRE defende, e defendeu nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, a necessidade de alargar os poderes das instituições supranacionais, o reforço a nível regulatório e de cooperação institucional da União Europeia. O LIVRE considera essencial que sejam alocados poderes de aplicação direta de medidas punitivas em casos de corrupção transnacional pela UE. Os interesses dos cidadãos europeus têm de ser salvaguardados e defendidos pelas instituições europeias, não podendo os interesses nacionais prejudicar ou tornar refém os direitos e liberdades dos europeus.
A Procuradoria Europeia será responsável pela investigação, processo e julgamento de pessoas ligadas à infração contra os interesses financeiros da União Europeia, prevista no Tratado de Lisboa, já em 2009. Tem um papel de importância redobrada se tivermos em conta a dimensão dos recursos mobilizados pelo plano de recuperação europeu e o novo quadro plurianual de investimento à escala europeia. É essencial que o investimento seja realizado onde é mais necessário, e que as infrações sejam devidamente investigadas e os seus perpetradores julgados. Assim, a Procuradoria Europeia é de vital importância para Portugal, e a sua confiança não pode ser minada.
A nomeação do procurador europeu português acontece à revelia da decisão do comité de seleção, que é responsável pelo processo de seleção tal como previsto em regulamento europeu, e que tinha selecionado a magistrada Ana Mendes Almeida como a mais qualificada para o cargo. No entanto, ao contrário do previsto nesse regulamento, a escolha portuguesa resultou da indicação do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público, tal como decidido pela Assembleia da República, numa iniciativa proposta pelo Governo e com votos favoráveis do PS, PSD e PAN. Assim, o Governo português nomeou o candidato que ficou em segundo lugar na decisão do comité de seleção, e que tinha sido indicado pelo Conselho Superior do Ministério Público, magistrado José Guerra, e não a candidata selecionada pelo comité de seleção.
A decisão final de uma nomeação para uma instituição europeia deve ser feita considerando o interesse geral da União, e não os interesses nacionais que podem até colocar em causa princípios fundamentais, como hoje acontece. A Procuradoria Europeia, de grande importância, tem de nascer e ser realmente independente e idónea, e não pode ser capturada pelos interesses nacionais, sejam eles quais forem.
A ausência de respostas e de um processo coerente, que deveria ser verdadeiramente europeu, minam a credibilidade e confiança do Governo, da Assembleia da República, e por consequência da própria União Europeia, como garantes do Estado de Direito. A escolha de um candidato diferente do recomendado pelo comité de seleção contribui apenas para dilapidar a credibilidade da Procuradoria Europeia e do Estado de Direito na União Europeia.
O LIVRE considera fundamental que o Governo português preste todos os esclarecimentos necessários sobre este processo, para que seja totalmente transparente, a bem da democracia e do Estado de direito. É essencial que um processo futuro ocorra de forma transparente e coerente, e que possa contar com articulação europeia pois é nesse âmbito que o processo deve ser conduzido. Os partidos políticos com assento na Assembleia da República têm de assumir as suas responsabilidades na condução deste dossier, onde revelam uma ausência de sentido de responsabilidade em relação às matérias europeias, tão importantes para Portugal.