Canábis recreativa: saúde pública, liberdade e ecologia

Canábis recreativa: saúde pública, liberdade e ecologia

A Assembleia da República discute hoje e vota amanhã os projetos-lei do Bloco de Esquerda e do PAN para a legalização da canábis recreativa em Portugal.
No LIVRE entendemos que o debate sobre a legalização da canábis não se pode cingir apenas às questões de saúde pública, mas que deve abarcar também as questões de liberdade, de cultivo ecologicamente sustentável e de gestão do solo agrícola.
Portugal foi pioneiro na descriminalização do consumo em 2001, assumindo uma postura contrária ao grande combate às “drogas leves” do final do século XX. Sejamos agora pioneiros na legalização da canábis.

Discutir canábis recreativa é discutir Liberdade.
Um adulto autónomo e informado tem direito a poder escolher e viver as experiências sensoriais, emocionais e de convívio associadas ao consumo de canábis. Como acontece com o tabaco ou o álcool, a obrigatoriedade da etiquetagem informativa, da informação sobre os riscos e a restrição de venda a adultos permitem escolhas informadas e não deve ser o Estado a impedir a escolha do consumo.
Saudamos por isso a apresentação das propostas do Bloco de Esquerda e do PAN para a legalização da canábis com fins recreativos em Portugal (e que inclui o consumo, o cultivo para consumo pessoal, a produção e a venda).

Proibir não erradica.
No último inquérito do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) é revelado que meio milhão de portugueses consome canábis ao longo da sua vida.
O país Europeu com políticas proibicionistas mais estritas, França, apresenta valores de consumo mais elevados (11%) do que por exemplo a Holanda (8,7%) país conhecido pela sua política liberal quanto à canábis. Esta observação indica que legalização e consumo não têm uma relação linear.  E abre um caminho importante neste debate: o caminho da promoção de um consumo responsável, informado e mais controlado, permitindo uma melhor saúde pública.

Legalizar e regular é a melhor forma de garantir a saúde pública.
A gestão da saúde pública é facilitada quando é possível observar e estudar. Foi esta a conclusão da comissão do parlamento Canadiano que estudou o quadro legal mais adequado para a legalização da canábis recreativa.
É mais eficaz proteger populações de risco se a canábis for legal. Não é por continuar a ser ilegal que os psiquiatras portugueses deixarão de receber casos de psicose associada ao consumo de canábis em jovens susceptîveis. Pelo contrário, é através da legalização, com a oportunidade para melhor informação quanto a consumos responsáveis e com garantia da qualidade da canábis, que os serviços de saúde mental terão melhores recursos para a prevenção e tratamento. A legalização permitirá também regulamentar os limites de teor de tetrahidrocanabinol (THC) admissíveis para circulação no mercado.

Legalizar e regular evita o tráfico e traz receitas para a economia oficial.
Os movimentos financeiros associados ao tráfico e à venda de canábis são muito elevados e acontecem hoje fora dos limites da economia oficial, beneficiando traficantes e redes de tráfico. A legalização da canábis permitirá incorporar esta economia paralela na economia oficial, gerando receitas importantes para o Estado, que poderão ser diretamente aplicadas nos serviços de saúde e em campanhas informativas sobre consumos responsáveis.

A produção e o cultivo devem ser regulamentados e sustentáveis.
Portugal, devido às condições climáticas e geopolíticas, é considerado ideal para o cultivo e transformação de canábis destinada ao consumo na União Europeia. O LIVRE reconhece que, do ponto de vista económico,  esta é uma oportunidade Contudo, considera também fundamental regulamentar o cultivo de canábis em Portugal, de forma a que este seja verdadeiramente sustentável na perspectiva agrícola e dos pontos de vista ambiental e ecológico.
A superfície agrícola útil em Portugal é limitada e a água é um recurso que tende a escassear, sendo por isso fundamental estabelecer  prioridades. No conjunto das espécies e variedades agrícolas cultivadas em Portugal, a prioridade deve ser dada àquelas que se destinam à alimentação humana.
A monocultura intensiva da canábis deve ser combatida, para salvaguarda do uso intensivo do solo e dos seus nutrientes, do uso excessivo de água e dos efeitos negativos sobre a biodiversidade. Este modo de cultivo já exerce significativo impacto ambiental noutras regiões do globo, como a Califórnia, e é essencial preveni-lo em Portugal.
Por isso, o LIVRE sublinha a necessidade de condicionar o início da produção de canábis para fins recreativos em Portugal, ao desenvolvimento e implementação de uma norma e de referenciais destinados ao cultivo sustentável da canábis.

Sobre a discussão e votação na Assembleia da República
Apelamos aos partidos com assento parlamentar que promovam a discussão  dos projetos-lei sobre a canábis sem preconceitos e com base em conhecimento científico e em  toda a experiência acumulada noutros países do mundo.