Voto de Pesar pela morte de João Paulo Cotrim
O editor e fundador da Bedeteca de Lisboa, nome incontornável no universo da banda desenhada portuguesa, João Paulo Cotrim, morreu no passado dia 26 de dezembro em Lisboa, aos 56 anos, vítima de doença. O seu legado traduz-se numa determinante afirmação de certas expressões, ainda pouco consideradas no panorama artístico no final do século passado, promovendo diversas gerações de autores que junto dele encontraram um generoso estímulo e um permanente reconhecimento.
Tendo nascido em Lisboa, João Paulo Cotrim iniciou o seu percurso como jornalista aos 20 anos, na ANOP. Posteriormente, trabalhou com diversos periódicos, nacionais e internacionais, como o Expresso, O Independente, a Cosmopolitan, a Revista Ler, a Elle, a Máxima, a Marie Claire, a Oceanos, a Visão, a Grande Reportagem, a Colóquio-Letras, o diário alemão “Der Spiegel”, o “Le Monde” e o suplemento “DNA”. Colaborou também com a RTP, a SIC e a TSF.
Na sua carreira, assume enorme protagonismo a direção da Bedeteca de Lisboa desde a sua inauguração, em 1996, e até 2002, tendo ainda sido diretor do Salão Lisboa de Ilustração e Banda Desenhada, durante quatro edições, e da mostra Ilustração Portuguesa.
Guionista para filmes de animação, João Paulo Cotrim escreveu novelas gráficas, ensaios e poesia e histórias para crianças e adultos. Nesta dimensão do seu percurso, salientam-se novelas gráficas (“Salazar — Agora, na Hora da Sua Morte”), ficção (“O Branco das Sombras Chinesas”, com António Cabrita), ensaios (“Stuart — A Rua e o Riso” ou “El Alma de Almada El Ímpar” — Obra Gráfica 1926-
Como docente, João Paulo Cotrim colaborou com o Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, no departamento de Ilustração e BD, bem como com o IADE – Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação, e trabalhado com o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas.
Fundou a revista Lua Cheia e as editoras Abysmo, na qual publicou autores como Valério Romão, Sérgio Godinho, António Araújo, Ferreira Fernandes ou Adolfo Luxúria Canibal, e a Arranha-Céus, mais dedicada às artes visuais e à banda desenhada.
“Temos uma tradição muito forte, com nomes como Stuart de Carvalhais, Almada Negreiros eBordallo Pinheiro, que em determinada altura não era valorizada. Depois houve uma geração que se afirmou nos anos 1960 e 1970, na era dourada dos quadradinhos. Mas deparei-me com uma nova geração de autores que não tinha onde publicar e foi aí que comecei a sonhar em montar uma editora”, afirmou, em 2018, à “Notícias Magazine”, para justificar o impulso definitivo que deu a uma nova geração de autores.
No seguimento do confinamento imposto pela pandemia de covid-19 e acompanhando o espírito dos tempos, João Paulo Cotrim criou, em 2020, “Torpor. Passos de voluptuosa dança na travagem brusca”, uma revista digital gratuita criada e disponibilizada pela editora Abysmo. A edição procura captar o efeito que a crise pandémica e o confinamento tiveram “tanto nas artes como na vida”, uma iniciativa
que não foi planeada previamente, “resultou de sucessivos diletantes passeios pelas redes”, nas quais João Paulo Cotrim descobriu um mundo que palpitava criação artística, contou o editor à Lusa, em maio do ano passado.
O romance “O Plantador de Abóboras”, do escritor timorense Luís Cardoso, que venceu o Prémio Oceanos 2021, no âmbito do qual se destacam anualmente as melhores obras publicadas em língua portuguesa, foi um dos livros editados pela Abysmo. A 08 de dezembro, o escritor, que reside em Lisboa, dedicou o galardão ao seu editor, João Paulo Cotrim, assinalando que já então se encontrava doente.
Voto de pesar aprovado por unanimidade na Assembleia Municipal de Lisboa de 11 de janeiro de 2022