No nosso planeta, existirão talvez tantas formas diferentes de pensar sobre a vida quanto o número de seres conscientes que nela habitam. Todos temos percursos de vida diferentes. Únicos e irrepetíveis. Todos temos também momentos em que, de uma forma mais ou menos consciente e ponderada, nos interrogamos acerca da nossa existência. Quem somos? De onde vimos? Para onde vamos?
Será decerto tão válida a vida que não se interroga como aquela que procura as respostas. O que eu lhe proponho hoje é que considere esta última. A vida que se interroga.
E como o que de mais parecido temos à incessante procura de respostas é talvez o conceito de uma viagem, começo por lhe sugerir a construção de um mapa. O mapa com que nos podemos lançar nesta viagem.
Vamos imaginar que nesse mapa colocamos toda a geografia que nos seja possível conceber – do local onde nascemos, para lá das fronteiras de um país, de um planeta ou de uma galáxia, até aos difusos limites de um Universo imenso. Continuemos a imaginar que colocamos depois esse mapa num eixo de tempo que nasce no Big Bang, prolonga-se por 14 mil milhões de anos, alcança-nos e prossegue na direcção longínqua de um futuro entrópico. Será interessante cruzar este mapa com este eixo e assinalar o nascimento de uma esfera azul, bela e reluzente, há cerca de 4,5 mil milhões de anos. Talvez ainda mais interessante será apontar ali, na tal esfera reluzente – a Terra que se fez berço – os 3,5 mil milhões de anos que separam este momento, durante o qual lê este artigo, de um outro momento especial – aquele em que, da matéria orgânica, súbita e misteriosamente, a vida floresceu. Temos que ser generosos com as cores que utilizarmos para colorir estes milhões de anos. Este pedaço do mapa. Afinal de contas, a vida multiplicou-se, diversificou-se, transformou-se e evoluiu, numa dinâmica permanente, em milhões de espécies diferentes. Mas este nosso mapa não está terminado. Falta assinalar ainda o aparecimento da nossa espécie, há cerca de 200 mil anos, as longas migrações, de continente para continente, o fim da glaciação há 15 mil anos, a sedentarização, há 12 mil anos, a emergência da agricultura e a construção da civilização. E neste último detalhe do mapa podemos então assinalar toda a história que, de século em século, se foi sucedendo até hoje.
Temos o nosso mapa. Estamos situados.
Sabemos então que somos feitos da mesma matéria que o Universo. Somos o Universo, contrariando a marcha inabalável da entropia, organizando-se, tornando-se complexo ao ponto de adquirir consciência de si próprio. Ao ponto de colocar questões, pegar num mapa e se lançar na busca de respostas. Suspeitamos também da nossa própria raridade. Na vastidão dos planetas que existiram e existirão, que fração terá vida? E quando um planeta se preenche de vida, que fração dessa vida constrói civilização? Desde o aparecimento da vida na Terra, tudo indica que apenas a nossa espécie tenha passado esse limiar. Parece que no oceano de possibilidades que é a nossa biodiversidade, a civilização é uma raríssima gota. No entanto, com ou sem civilização, o prazo de validade para a vida na Terra está ao virar da esquina. Nos próximos 100 mil anos a probabilidade de um desastre à escala global é enorme e dentro de 10 milhões de anos uma supernova irá irradiar a Terra com radiação gama suficiente para extinguir a vida.
Existirá então um nível extra de raridade? De todas as civilizações que pudéssemos considerar, que fração sobrevive à finitude do planeta em que nasceu? Esse é o desafio que a Humanidade provavelmente terá que ultrapassar se almejar às respostas mais profundas da nossa existência. E esta é a nossa janela de oportunidade.
Não tenhamos dúvida: o tamanho da nossa janela de oportunidade depende da nossa vontade colectiva. Claro que poucas coisas serão tão difíceis de definir como a “vontade coletiva” de uma espécie. Na realidade, a “vontade coletiva” não resulta da decisão de ninguém e emerge da interação das decisões individuais de mais de 7 mil milhões de indivíduos.
No entanto, sabemos hoje que a atividade humana à escala global no último século deslocou-nos do estado de equilíbrio em que estávamos. A desregulação climática, a aceleração da taxa de extinção das espécies, as alterações à acidez dos oceanos, a desertificação dos solos e até a desregulação dos nossos próprios sistemas financeiro e económico, são verdadeiros problemas globais.
Os problemas globais requerem soluções globais. E para muitos destes problemas a solução global não pode corresponder à mera soma de soluções nacionais, regionais ou locais. É necessária uma estratégia global, concertada entre todos. E cada estratégia pode começar com um acordo global, rigoroso e vinculativo.
Mas na última década tornou-se uma vez mais explícita a dificuldade que reside na concertação de acordos globais em cimeiras onde participam quase 200 nações independentes. Tal dificuldade foi evidente nas negociações de um regime pós-Quioto para o combate às alterações climáticas, e é sistematicamente visível nas negociações de paz, na resolução dos conflitos e na gestão da geopolítica do século XXI.
Não é, portanto, difícil imaginar que, se à mesa da negociação global se sentassem uma meia dúzia de posições previamente negociadas à escala dos continentes, seria mais fácil e provável a existência de acordos globais para matérias tão distintas como o combate ao tráfico de espécies ameaçadas ou a eliminação dos paraísos fiscais offshore.
Hoje, a União Europeia (UE) apresenta-se nestas negociações globais como um bloco de países unidos. Levando a cabo toda a discussão prévia necessária entre os Estados-membro, a UE leva para as cimeiras internacionais as suas próprias metas e propostas. Este é um avanço verdadeiramente civilizacional.
Quando se questiona a utilidade de uma organização como a UE, ou se coloca em causa o seu futuro, não só se está a desperdiçar tempo precioso, arriscando retrocessos civilizacionais, como também não se está a fazer aquilo que é necessário: ajudar ao processo de criação e desenvolvimento de outras organizações semelhantes, como a União Africana ou a União de Nações Sul-Americanas, e à progressiva modernização da Organização das Nações Unidas.
A civilização humana é hoje uma civilização global. As diferenças culturais mantêm-se mas os fluxos de matéria, energia e moeda são globais. Precisamos de avançar rapidamente de um contexto retalhado em quase 200 nações distintas para outro em que a humanidade vá progressivamente convergindo para posições comuns, da escala local à planetária.
É verdade que a UE tem muitos problemas para resolver. Alguns dos alicerces da União avançaram muito depressa e outros ainda nem sequer foram erguidos. Existem desequilíbrios, lacunas e défices democráticos. Mas é um modelo em desenvolvimento e todas as conquistas anteriores devem ser valorizadas. Não precisamos de demolir este edifício para um dia, quem sabe, tentar construir um novo. Precisamos apenas de continuar convictamente a remodelar, reformar e otimizar.
O LIVRE tem na sua origem os princípios necessários à reforma da UE e ao aprofundamento da democracia no seio da organização e nas pontes que pode lançar para o resto do globo. Contribuir para a história do LIVRE, que ainda agora começou, é contribuir para este processo de evolução civilizacional que sucede à evolução biológica que nos gerou e à evolução tecnológica que nos transportou até aqui.
Neste planeta, neste continente e neste país, a nossa janela de oportunidade abriu-se há muito tempo. Só a paz e a convergência para objetivos comuns poderão mantê-la aberta o máximo de tempo possível e oferecer, quem sabe, à vida terrestre e à civilização humana um futuro que não se esgote na perenidade das dúvidas ou no ciclo natural das estrelas.
Carlos M. G. L. Teixeira, candidato do LIVRE