Comunicado da DURP do LIVRE sobre o sentido de voto no Orçamento de Estado 2020

Comunicado da DURP do LIVRE sobre o sentido de voto no Orçamento de Estado 2020

As portuguesas e os portugueses pronunciaram-se nas urnas para dar continuidade a uma governação de esquerda e, portanto, a um entendimento entre os partidos à esquerda, razão pela qual há uma maioria assinalável no parlamento português. A eleição da deputada única do LIVRE enquadra-se neste voto de confiança e muito particularmente no reforço da sua expressão feminista, anti-racista e ecologista.

A agenda política do LIVRE assenta na defesa intransigente de uma maior e ambiciosa justiça social e ambiental. E estas são e serão sempre a nossa base de diálogo, reivindicação e negociação com o governo, agora em sede de especialidade. É necessário um orçamento que dê resposta às emergências do século XXI.

Considerações sobre o Orçamento do Estado (OE) 2020:

1. Falta a visão necessária para uma política de médio e longo prazo para o país, sobretudo porque este precisa de dar uma resposta forte e inequívoca à emergência climática e às desigualdades sociais (Portugal é o 6.º país mais desigual da UE, segundo o Eurostat), tendo em conta o superavit disponível e que a primeira das quatro agendas estratégicas das Grandes Opções do Plano para 2020-2023 é “alterações climáticas e valorização de recursos” e a terceira “desigualdades e coesão territorial”. Por outro lado, não se conhecem os impactes do Orçamento do Estado sobre a igualdade de género, nem sobre a especulação imobiliária, tampouco sobre a desburocratização dos serviços administrativos que afetam a vida de estrangeiros residentes e/ou trabalhadores no país.

2. O rigor orçamental é essencial e a dívida externa portuguesa não deve ser aumentada. O país está, aliás, em condições para que esta dívida seja renegociada e reestruturada. Mas a disciplina fiscal deve ser ajustada a objetivos políticos que tenham para o país uma visão de médio e longo prazo, com solidariedade intergeracional e transversal, social e regionalmente.

3. É essencial resolver o problema do subfinanciamento crónico dos serviços do Estado, nomeadamente no que diz respeito à Saúde e à Educação. Mas para ter essa disponibilidade orçamental e cumprir o saldo orçamental é preciso enfrentar interesses, nomeadamente nas Parcerias Público-Privadas (PPP) e no sector bancário. Por exemplo, as PPPs rodoviárias estão avaliadas, pelo Eurostat, em 5,5 mil milhões de euros e o Estado prevê pagar aos concessionários nos próximos 20 anos mais de 18 mil milhões de euros, a que acrescem todos os pagamentos já efetuados. Por outro lado, estão previstos 600 milhões de euros para a recapitalização do Novo Banco. No âmbito do combate ao desperdício e rentismo, justifica-se ainda uma renegociação dos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) que o Estado paga à EDP.

4. Se se quer apostar no combate à fraude e evasão fiscal, bem como à corrupção (faltam 600,000 € para o combate a esta última), que é uma obrigação ética do Estado, é preciso ter em conta que o índice da Economia Não Registada (ENR) subiu de 10,2% em 1970 até 27,3% em 2015. Se este valor ficasse dentro da média dos países da OCDE, que se situa em 16%, o valor do PIB subiria mais de 10 mil milhões de euros, contribuindo significativamente para ampliar a receita fiscal. Por outro lado, o Governo não aproveitou a oportunidade para, dada a concentração da riqueza que se tem verificado nas últimas décadas, exigir o reforço da tributação sobre o património e as grandes fortunas.

5. Numa ótica de justiça fiscal, é de louvar a atração de investimento, mas os benefícios financeiros a residentes estrangeiros devem obedecer a critérios de justiça fiscal. Portugal não pode almejar a ser, na prática, um paraíso fiscal.

6. No que diz respeito à Habitação, o Estado tem de ser um participante ativo no mercado imobiliário, de modo a mitigar os impactes na população dos ciclos de maior investimento privado e da especulação. O LIVRE propõe ao governo que invista em habitação pública de modo a travar a desregulação do mercado de arrendamento, incentivando rendas acessíveis e habitação social em número suficiente para fazer face a esta que é uma emergência social. As verbas previstas no OE2020 são ainda insuficientes para possibilitar habitação pública a rendas acessíveis. Parte do excedente orçamental poderia reforçar as verbas previstas, mas considerando-as como investimento em reabilitação de edifícios para habitação pública por forma a chegar a mais agregados e mais rapidamente.

7. Do mesmo modo, o Ambiente continua a ser desvalorizado por este Governo, onde se depreende a permanência de uma lógica extrativista. O governo vem ainda reforçar a estratégia que tem vindo a ser seguida em matéria ambiental, ao não prever análises profundas aos grandes projetos nacionais previstos – como a Avaliação Ambiental Estratégica da localização do aeroporto de Lisboa, dos projetos do Programa Nacional de Investimentos 2030 (PNI 2030) ou da estratégia nacional de mineração, como foi sugerido negocialmente pelo LIVRE. O LIVRE pediu ao governo que incluísse no OE a Avaliação Ambiental Estratégica do Plano Nacional de Investimentos (PNI) 2030, medida que foi recusada. Refira-se também a não dotação aos organismos do Governo, muito em particular os de fiscalização, de verbas suficientes para um eficaz combate às alterações climáticas e para a promoção da transição energética.

8. Conforme defendido pelo LIVRE, neste orçamento verifica-se um reforço de verbas para a Saúde. Grande parte da verba disponibilizada será, no entanto, canalizada para o reforço, já previsto, de meios humanos. O LIVRE bateu-se, em sede de negociação na generalidade, pela inclusão de psicólogos nos centros de saúde e manterá a discussão na especialidade.

9. Urge questionar a que indústrias criativas se refere o governo quando a mão de obra dessas mesmas indústrias (os criadores, os artistas, os agentes culturais) são constante e historicamente remetidos a uma desesperante precarização da vida e do trabalho; a um desrespeito pela dignidade do seu fazer e a uma marginalização da arte, e portanto da cultura, do centro da polis? Queremos, pois, que a orçamentação para a cultura tenha um efetivo impacte na sustentabilidade dos projetos culturais estatais, começando desde logo pela dignidade e pelo insubstituível valor do trabalho artístico. E lutaremos para que haja um verdadeiro plano a médio e longo prazo para a sustentabilidade do património e dos equipamentos culturais, em rede, para uma melhor gestão dos recursos: culturais, humanos, económicos e sociais. A cultura, em todas as suas dimensões e expressões, deve chegar a todo o país, a todas as pessoas.

10. Sobre o Ensino Superior, a Ciência e a Investigação, o LIVRE negociou a equiparação das carreiras de docência e investigação científica no sentido dos direitos e deveres, possibilitando a mobilidade entre as carreiras, e também o reforço da ação social no ensino superior em função do custo de vida local da Universidade.

11. Saudamos que algumas medidas propostas no programa eleitoral do LIVRE tenham sido integradas parcialmente na proposta do OE 2020. Contudo, o modo de aplicação varia. Como, por exemplo, na redução do IVA da eletricidade em que o Governo propõe o valor da taxa em função do consumo e o LIVRE considera que, enquanto bem de primeira necessidade, o valor do IVA deveria ser de 6%, ou no que diz respeito ao aumento de vagas nas creches através de comparticipação e não através da disponibilização de vagas pelo Estado. Por outro lado, a proposta para o OE 2020 apresenta lacunas ao nível da afetação de verbas para os transportes públicos (para aumento da oferta face ao aumento de utilizadores resultante dos passes mais baratos), para o investimento na ferrovia e para a Justiça e o Ensino Superior.

12. Para o LIVRE, e considerando a folga orçamental prevista de 0,5%, o Governo deveria assumir a orientação estratégica nos setores do Ambiente, Educação e Ensino Superior, Saúde, Habitação e Cultura e aplicar parte do superavit enquanto medida de investimento nestes setores. É preciso vontade política, saber onde cortar, onde investir, onde taxar. Por exemplo, é não cometer atentados ao bem do território e das pessoas e demais seres vivos que nele habitam como o aeroporto do Montijo e o projeto de mineração em curso. Em nome das futuras gerações, deve aplicar-se o princípio da precaução.

O sentido de voto do OE2020 na generalidade da DURP LIVRE é a abstenção, considerando haver espaço negocial em sede de especialidade para melhorar substancialmente esta Proposta de Lei, nomeadamente nas áreas do Ambiente, Educação e Ensino Superior, Saúde, Habitação, Trabalho e Cultura.