O modelo económico dominante, dependente da queima de combustíveis fósseis e do aumento exponencial da extração de recursos vivos e não vivos, está a tornar o planeta inabitável para a nossa espécie e a provocar uma calamidade social à escala global. Os oceanos têm sido até agora o grande amortecedor do aquecimento global, e uma importante fonte de proteína. Mas todos os limites de sustentabilidade estão a ser ultrapassados. O LIVRE lamenta a falta de ambição e o desfoque dos objetivos da Conferência dos Oceanos, que termina hoje. Um oceano saudável é essencial para a sobrevivência humana no futuro. Temos conhecimento científico, falta ação política. Não bastam tecnologias verdes, é essencial um novo modelo de desenvolvimento que assegure simultaneamente justiça social e ambiental.
Os oceanos estão em crise
Como a ONU reconhece, “A ciência é clara – os oceanos estão a enfrentar ameaças inéditas devido a atividades humanas.” Os oceanos são o maior amortecedor dos efeitos do aquecimento global, tendo absorvido um terço do dióxido de carbono produzido pela queima de combustíveis fósseis e 90% do calor gerado pelo consequente efeito de estufa. Mas essa dádiva do oceano tem um custo: a água do mar está a ficar mais ácida, fragilizando os recifes de coral e as cadeias alimentares oceânicas. A subida da temperatura ameaça de extinção espécies e habitats e desequilibra os regimes de correntes de que depende o clima global. O degelo do Ártico, por exemplo, ameaça trazer invernos glaciais ao continente europeu. A somar ao aquecimento global, porém, duas das fronteiras planetárias estabelecidas cientificamente já foram ultrapassadas: a perda de biodiversidade e a poluição por nutrientes. Nestas duas áreas estamos numa situação de alto risco, e ambas têm impactos profundos no oceano: a poluição e a pesca excessiva e destrutiva são responsáveis por estender ao mar a onda de extinção da biodiversidade que conhecemos em terra, enquanto o uso descontrolado de fertilizantes está a deixar sem oxigénio porções significativas do fundo dos oceanos.
Ambição e desfoque
Nas palavras dos organizadores da Conferência, “temos de agir agora para proteger os nossos oceanos” pois estamos “num momento crítico”. Perante a escala do problema, porém, os objetivos da Conferência dos Oceanos são não só pouco ambiciosos como desfocados. Pouco ambiciosos quando se resignam a ser um “apelo à ação”, desfocados quando colocam o ênfase no “investimento em abordagens científicas e inovadoras” para “tecnologia verde e usos inovadores dos recursos marinhos”. Num momento em que o IPCC avisa que temos que começar imediatamente a reduzir as emissões de CO2 para uma redução de 25 a 50% até 2030, a Conferência dos Oceanos propõem um diálogo para “minimizar e abordar a acidificação, a desoxigenação e o aquecimento dos oceanos”, sem uma palavra sobre combustíveis fósseis. Quando um comunicado conjunto do IPCC e do IPBES explicitamente apela ao “afastamento de uma conceção do progresso económico baseado apenas no crescimento do PIB”, a Conferência dos Oceanos reforça a narrativa económica dominante de que a solução passa pelo investimento em “tecnologias verdes” e por, paradoxalmente, aumentar o consumo de recursos marinhos.
Apesar de alguns aspetos que merecem a nossa crítica, saudamos a presença das instituições de ensino superior e de investigação nos eventos paralelos, demonstrando assim que a economia do conhecimento será essencial para definir um novo modelo de desenvolvimento.
Esta conferência foi uma oportunidade importante e, no seu melhor, dela poderiam sair bases sólidas para se estabelecerem e atingirem objetivos concretos nas políticas mundiais – sem esquecer o papel fundamental que as ações locais desempenham.
Por decisões políticas que respondam aos avisos científicos
O LIVRE concorda com a afirmação de que a ciência é clara, mas reforça que a ciência é clara não só na identificação dos problemas, mas também das soluções. Por isso apelamos a políticas decisivas, concertadas e vinculativas, a todas as escalas, para descarbonizar a economia global, reduzindo o consumo de energia nos países no norte global, travando todas as novas explorações de combustíveis fósseis e investindo, isso sim, na transição para um modelo baseado em energia de fontes renováveis. Por isso também, defendemos que a proteção da biodiversidade tem que ser uma prioridade global, manifestada no fim urgente de uma agricultura industrial e mercantilizada, substituída pela produção local com base em princípios agroecológicos. No mar, conservar e regenerar a biodiversidade passa essencialmente por uma pesca de proximidade e por uma aquacultura sustentável, num quadro económico que suporte a justiça social em vez da maximização dos lucros.
As áreas protegidas assumem particular relevância no meio marinho, onde dependemos da produtividade dos ecossistemas naturais. Defendemos, assim, que pelo menos 30% de todos os habitats marinhos devem ser estritamente protegidos, um trabalho de delimitação e de acompanhamento que tem de ser discutido com as populações envolvidas e, em muitos casos, liderado por elas.
Neste contexto, lamentamos o desaparecimento do Ministério do Mar e, sobretudo, a sua fusão com o Ministério da Economia que sinaliza uma tendência de entender o mar como uma mercadoria. Rejeitar o extrativismo do sistema económico vigente abrange a defesa e proteção dos recursos marinhos, correndo o risco, caso contrário, de estarmos a pintar os problemas de azul em vez de os resolver.
As propostas do LIVRE
A nível nacional, o LIVRE tem defendido um conjunto de propostas coerente, muitas das quais serão apresentadas para discussão na Assembleia da República ao longo desta legislatura, sob a forma de Projetos de Lei ou de Resolução:
- Criar a figura legal de Ecocídio e defender a criação de um tribunal internacional para julgar crimes ambientais;
- Apelar à concretização da Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030;
- Estabelecer como prioritário o aumento da área marinha estritamente protegida em 30%, até 2030;
- Aprovar uma moratória legalmente vinculativa para a mineração em águas territoriais;
- Determinar a proibição do arrasto de fundo e outras artes de pesca industrial e destrutiva em áreas marinhas protegidas.
Medidas como estas enquadram-se na nossa aposta num Novo Pacto Verde, que assegure o investimento necessário à descarbonização da economia global – também neste âmbito, continuaremos a opor-nos a toda a prospeção e exploração de combustíveis fósseis no nosso país, incluindo nos fundos marinhos.
Conscientes de que o desenvolvimento do país não pode ser condicionado à maximização do lucro e do crescimento económico, propomos medidas para reforçar a justiça social e a transição para uma plena democracia económica, como a semana de 4 dias, um rendimento básico incondicional ou o apoio às múltiplas vertentes do setor cooperativo – numa transição que se fará com as pessoas e não contra as pessoas.