O Último Grito da Revolta: 90 anos do 18 de janeiro de 1934

O Último Grito da Revolta: 90 anos do 18 de janeiro de 1934

Janeiro de 1934. A cada dia que passa, o fascismo cimenta-se um pouco mais – as liberdades sindicais são liquidadas e somam-se os opositores políticos do regime deportados para campos de prisioneiros nas colónias, entre eles inúmeros dirigentes sindicais. Mas a crescente fascistização do Estado não progride sem resistência: um reduto de esperança persiste. Entre os vários sectores angustiados com o galopante asfixiar das liberdades e direitos, é o movimento operário que encabeça a luta contra o escurecimento progressivo do país.

A 18 de Janeiro ocorre uma insurreição do movimento trabalhista, espalhado por todo o país. De diferentes latitudes ideológicas, incluindo comunistas, anarquistas, socialistas democráticos e anarco-sindicalistas, o movimento operário tinha como objecto de desejo político não só a reconquista das liberdades sindicais perdidas para o corporativismo salazarista e mais direitos laborais, como também o derrube do Estado Novo e das elites do poder fascizante.

O movimento trabalhista português caracterizava-se por ser, até à viragem do século, fortemente influenciado por ideias libertárias, simpatizando com sensibilidades anarquistas e anarco-sindicalistas. Este paradigma, contudo, é refreado pela derrota dos anarquistas na primeira internacional e pelo despoletar da Revolução bolchevique de Lenine, evento que inspira a constituição da Federação Maximalista Portuguesa. Embora sofrendo, inicialmente, de uma significativa influência libertária, a FMP virá a abrir outro pólo no movimento operário português, alinhado com as tendências comunistas de Moscovo, vindo posteriormente a dar lugar ao Partido Comunista Português.

O movimento operário, começa, então, a fragmentar-se politicamente, num contexto cada vez mais crispado entre comunistas e anarquistas, ambos com vista a influenciar o poder sindical português. A Ditadura Militar, instaurada em 1926, ajuda, a par da repressão que a acompanha, a enfraquecer o movimento sindical, abrindo caminho para que as divisões previamente observadas se cimentassem no seu seio. Não obstante, é feito um último esforço, no início de 1934, de apresentar uma resposta operária unida ao salazarismo. 

Deste modo, é preparada, pelas mãos da Confederação Geral do Trabalho (anarquista), da Comissão Intersindical (comunista), da Federação das Associações Operárias de Lisboa (socialista) e outras associações sindicais autónomas, a “greve geral revolucionária”. O planeamento desta ação insurrecional não deixa de estar envolto num clima tenso e conspirativo entre as tendências que a organizaram, sobretudo entre comunistas e anarquistas. Pelos primeiros, esta era vista, nas palavras do secretário-geral do PCP, Bento Gonçalves, como uma “anarqueirada”, circulando, posteriormente, nos meios de comunicação da CGT, rumores de que membros do partido teriam conspirado com a polícia política para inviabilizar o movimento, aproveitando-se desta oportunidade para liquidar a hegemonia anarco-sindicalista.

Esperava-se que as movimentações a 18 de janeiro envolvessem, em toda a extensão do território, ações várias: sabotagens férreas, telefónicas e telegráficas; assaltos e atentados em locais de relevância política e económica, lançamento de bombas e, naturalmente, a greve geral. Esta última ofensiva trabalhista é atacada ainda antes do seu início propriamente dito, sendo os principais dirigentes do movimento presos pela PVDE na noite de 17 de janeiro. Se este factor não condenou, de antemão, os desenvolvimentos da insurreição generalizada, a greve quebra face à extrema desorganização que a caracteriza (sobretudo pelos ataques mútuos entre organizadores), por uma incapacidade de arregimentar uma base social de apoio significativa e, por último, por não conseguir amparo no seio militar, sendo facilmente reprimida pela força estatal.

Ficaram gravadas na memória coletiva, sobretudo, as altercações que tiveram lugar na Marinha Grande, onde o sucesso insurrecional foi liderado por militantes comunistas – algo potenciado por dois fatores: uma apropriação vitoriosa do ocorrido pela imprensa comunista nos dias subsequentes, por um lado, e a canalização mediática estatal no protagonismo dos comunistas, enquadrando-os no lugar de “inimigos do regime”. É de destacar, contudo, o papel da militância anarquista em Almada e em Silves, ambos locais onde esta logrou forte apoio social ao movimento insurrecional (embora não atingindo a escala da Marinha Grande), memória que foi largamente ofuscada pelo discurso comunista e, na sua contraparte, salazarista, num quadro derrotista da CGT.

Assim sendo, é errado e até desmerecedor circunscrever a “greve geral revolucionária” de 18 de janeiro aos eventos ocorridos na Marinha Grande e, sobretudo, no setor vidreiro. De facto, este foi o local em que a contestação foi mais organizada e, por conseguinte, mais profícua, mas é impreterível à memória recordar que a insurreição foi muito mais abrangente, tanto geográfica como ideologicamente, ao contrário da narrativa tradicional comunista.

A greve geral de 1934 falhou em vários dos seus objetivos: não conseguiu restituir as tão desejadas liberdades sindicais, não logrou melhores condições laborais e não conseguiu estancar a institucionalização do fascismo. Além disso, dado o falhanço generalizado da insurreição e a prisão de centenas de militantes anti-fascistas, constituiu um dos últimos exemplos de resistência organizada do movimento operário durante o Estado Novo. Marcou o início do declínio da contestação laboral durante o Estado Novo. Falhou em todos os seus objetivos materiais, mas não na inspiração que carrega. 

A greve geral de 1934 mostra-nos que a luta pela liberdade e emancipação nunca foi pacífica e envolverá sempre contestação, reação e contra-movimentos de um conjunto de forças políticas, sociais e económicas estanques. Importa, por isso, nunca baixar os braços pela emancipação das forças de opressão. Como nos diz Simone Weil, a liberdade é (e será sempre) uma luta constante. 

A sua releitura enquanto desavença e sectarismo entre forças de esquerda mostra, de forma perfeitamente clara, que a unicidade é fundamental para fazer frente às forças fascistas, totalitárias e repressivas. Só uma verdadeira união de esforços, com respeito pelas suas diferentes concepções e mundividências, e de igual para igual, pode enfrentar o fascismo.

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