Por uma política científica que aposte na ciência como motor do futuro

Por uma política científica que aposte na ciência como motor do futuro

Comunicado emitido no quadro da candidatura LIVRE/Tempo de Avançar

 

O Ministério da Educação e Ciência (MEC) solicitou, em 2014, a um painel internacional, uma avaliação externa à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). É com consternação que registamos algumas das conclusões do comunicado do MEC de 27 de julho sobre o relatório do painel. No entanto, também notamos que este comunicado transpõe de forma enviesada apenas algumas das conclusões do relatório, havendo outras menos alinhadas com a política científica dos últimos anos, que conviria salientar.

No contexto nacional é inadequada a descontinuação do modelo de concursos nacionais para o financiamento de bolsas de doutoramento individuais e de pós-doutoramento, substituindo-as por bolsas integradas em programas de doutoramento ou por bolsas de pós-doutoramento integradas em projetos. Estas alterações, apresentadas como uma reorientação de recursos, para além de constituírem um ataque direto à liberdade e autonomia científica, favorecem, no caso das bolsas de doutoramento, quem já está integrado no sistema e matam à nascença a possibilidade de desenvolvimento de ideias individuais em áreas não cobertas pelos programas existentes.

No caso das bolsas de pós-doutoramento é diminuída a independência do investigador doutorado face ao investigador responsável e favorecido o aumento da precariedade dos investigadores, dada a curta duração da maior parte dos projetos e a incerteza no financiamento de projetos subsequentes.

Estamos de acordo com as conclusões do painel, pois entendemos que as bolsas de pós-doutoramento não se devem prolongar por mais de três ou quatro anos. Estas são bolsas que têm de facto alimentado o sistema com mão-de-obra barata e precária devendo ser substituídas por contratos de trabalho que possam vir a dar lugar a posições de desenvolvimento de carreira. E perguntamos: onde estão essas posições?

Não objetamos a possíveis incentivos para pós-doutoramentos no estrangeiro, cujo financiamento foi aliás fortemente reduzido nos últimos anos, mas salientamos que ninguém deve ser obrigado a emigrar e que devemos antes preocupar-nos em como vamos trazer de volta muitos daqueles em que investimos e que tiveram de partir – mas nunca em incentivar a partir aqueles que querem ficar.

São ainda alarmantes as conclusões apresentadas no comunicado do MEC sobre a avaliação das unidades de investigação do sistema científico nacional adjudicado pela FCT à European Science Foundation (ESF). Notamos que o coordenador do painel de avaliação da FCT, Professor Christoph Krayky, pertencia ao Governing Council da ESF à altura em que a FCT adjudicou a avaliação das unidades de I&D nacionais a esta fundação. Neste ponto, o comunicado falha em respostas concretas às críticas levantadas pelas unidades de I&D, pelos laboratórios associados e pelo Conselho de Reitores, apesar do relatório completo salientar a importância do diálogo com a comunidade científica, incluindo as universidades.

Foram vários os atropelos conhecidos na avaliação das unidades de I&D. Em muitos casos, não havia um único avaliador nos painéis de avaliação que pertencesse à área científica avaliada. Outra situação inaceitável prende-se com o facto de que muitos dos argumentos devidamente apresentados pelas unidades de I&D como recurso aos resultados de fases intermédias do processo da avaliação, não terem sido sequer considerados para o resultado final da avaliação. De facto, esta avaliação foi um processo em que as regras foram alteradas a meio, como aliás é reconhecido pelo painel de avaliação da FCT, tendo estas alterações, ao contrário do que aí é referido, afetado verdadeiramente o resultado final da avaliação das unidades. Finalmente, esta avaliação resultou na efetiva eliminação das unidades de I&D para metade, dado o nível de financiamento irrisório atribuído.

Consideramos que não é com uma FCT que se coloca contra a comunidade científica, perdendo a sua confiança, que se faz crescer e se potencia o sistema científico.

Devemos assim concluir que o objetivo da política científica dos últimos anos foi o de diminuir e enfraquecer a comunidade científica nacional e as suas instituições, mantendo e estimulando apenas as mais capazes de procurar financiamento externo. Esta política é destruidora das instituições que compõem o sistema científico nacional, ignora o verdadeiro papel da ciência como motor do futuro e desresponsabiliza o estado do seu papel fulcral na promoção e investimento num sistema científico e tecnológico nacional que sirva para aumentar o conhecimento e a literacia científica e que contribua para melhorar a democracia em que queremos viver.

Rejeitamos veementemente uma política científica que convida ao desânimo ou à emigração toda uma geração de jovens cientistas que aparentemente são suficientemente excelentes para singrar em sistemas científicos mais desenvolvidos que o nosso, mas não em Portugal.