A vacinação em massa contra a COVID-19, em todo o mundo, é essencial para controlar a pandemia. É necessário dar todos os passos possíveis para aumentar a produção e distribuição de vacinas por todo o mundo. A libertação das patentes é um deles, mas outros têm de ser dados.
As fronteiras e outras construções políticas são ignoradas por um vírus sem nacionalidade. A cooperação internacional e organizada é o único caminho para o combater. Não devemos permitir que o egoísmo e ganância nacionalistas nos iludam. O sucesso no combate à COVID-19 é dado pela taxa de vacinação a nível mundial, e não pela alcançada num específico e limitado território.
Pela libertação das patentes
Em maio de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertava para o perigo de um monopólio do mercado através das patentes pelas empresas que conseguissem produzir as primeiras vacinas contra a COVID-19. Assim, em nome da cooperação internacional e do direito ao acesso à vacina a preços adequados, a OMS emitiu uma resolução não vinculativa que, através do levantamento de patentes, total ou parcial, tentava evitar que países com menor poder de negociação ficassem excluídos do plano de vacinação. A União Europeia apoiou essa resolução.
Um ano depois, as campanhas de vacinação decorrem já em muitos países, mas a velocidades muito díspares. Se nos países desenvolvidos, uma em cada quatro pessoas já foi vacinada, nos países em desenvolvimento a média de indivíduos vacinados é de um em quinhentos. Como esperado, o reduzido poder negocial de algumas economias, impede os seus países de competir justamente na aquisição das primeiras tranches de vacinas. Sem um programa sério de cooperação internacional, estes países permanecerão a sofrer os efeitos da pandemia sobre as suas populações, conferindo um risco acrescido de desenvolvimento de estirpes do vírus de comportamento imprevisível e sufocando as suas economias.
A OMS voltou a fazer pressão para que se liberem as patentes em causa, apoiando um pedido da Índia e África do Sul (e já subscrito por mais de 60 países) em outubro do ano passado à Organização Mundial do Comércio (OMC). Por “levantamento de patentes” entende-se a isenção dos direitos de patentes sobre vacinas, ao abrigo de uma excepção ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) na OMC. Excepções ao Acordo TRIPS já estão previstas para o combate a doenças como a infecção por HIV/SIDA, tuberculose e malária.
A pressão sob a decisão do Conselho para a excepção ao acordo TRIPS caiu sobre a União Europeia quando, inesperadamente, a administração norte-americana anunciou o seu apoio ao levantamento das patentes. Isto depois de o Parlamento Europeu ter rejeitado essa solução uma semana antes.
Quais os argumentos que têm sido levantados contra?
O maior argumento é o de que o levantamento das vacinas levaria a um desincentivo na inovação, por diminuir as expectativas de lucro junto das indústrias farmacêuticas. A mesma narrativa já tinha sido utilizada para tentar contrariar a produção massiva e global de medicamentos genéricos. Mas não só as empresas que têm vacinas aprovadas e a ser administradas já ultrapassaram largamente a margem de lucro, como parecem ignorar que percentagens variáveis do investimento feito, nomeadamente das primeiras fases de investigação, vieram de fundos públicos, fazendo das vacinas um bem público.
Por outro lado, argumenta-se que o nível de conhecimento e tecnologia é de uma tal complexidade que as vacinas não poderiam ser produzidas noutro local e respeitar as Boas Práticas de Fabrico, garantindo a sua segurança. Embora as tecnologias como a de mRNA utilizada pela Pfizer ou Moderna sejam muito complexas, vários dos passos necessários até a este processo já se fazem por todo o mundo, incluindo Portugal. Se é verdade que o início da produção poderia não ser imediato e dependeria da complexidade da tecnologia adoptada, com essa transferência de conhecimento, criar-se-iam condições a médio e longo prazo para que a produção da vacina aumentasse a nível mundial. Adicionalmente, outras indústrias pelo mundo seriam capacitadas para responder atempadamente à necessidade de criação de novas vacinas para o combate de eventuais novas estirpes ou a uma campanha que se pode vir a tornar sazonal.
Finalmente, vários Estados-membros da UE alegam que parte das vacinas produzidas e/ou adquiridas têm sido destinadas a outros países, mas na verdade menos de um quinto dessa exportação se destina a países mais vulneráveis e necessitados de ajuda.
Assim, o LIVRE apela a que Portugal e a UE defendam, já e nas próximas reuniões do conselho TRIPS do final de maio e início de junho, a libertação das patentes sobre as vacinas contra a COVID-19.
Mas a libertação das patentes apenas não basta.
Outros passos essenciais têm de ser dados para aumentar a produção e distribuição de vacinas. O LIVRE defende, a par deste passo, uma aposta na transferência rápida de conhecimento e de garantia de capacitação de capacidade tecnológica para a produção local das vacinas e a agilização das cadeias globais de fornecimento e aumento da exportação dos países onde já se produzem vacinas, através da capacitação de organismos reguladores e da cooperação global, evitando-se o armazenamento e o condenável açambarcamento de vacinas
A pandemia e a necessidade de acesso rápido e global a vacinas vêm, mais uma vez, demonstrar a urgência de políticas públicas de promoção da ciência e de uma aposta forte a nível Europeu e nacional na transição para uma economia apoiada na produção e transferência de conhecimento, como o LIVRE vem defendendo. Só assim, dotados de redes de investigação em constante articulação com atores económicos, numa sociedade direcionada para o futuro, estaremos preparados para os próximos desafios e ameaças.