Lisboa: Moção de Condenação das violações de Direitos Humanos na organização do Mundial 2022 no Catar

Lisboa: Moção de Condenação das violações de Direitos Humanos na organização do Mundial 2022 no Catar

Foi aprovada na Câmara Municipal de Lisboa uma moção de condenação das violações de Direitos Humanos na organização do Mundial 2022 no Catar, apresentada pelo LIVRE:

MOÇÃO

“CONDENAÇÃO DAS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NA ORGANIZAÇÃO DO MUNDIAL 2022 NO CATAR”

 

Considerando que:

De 20 de novembro a 18 de dezembro, irá decorrer o Mundial 2022, no Catar, torneio de futebol para o qual a seleção nacional se encontra qualificada, integrando o grupo H. Uma investigação de vários jornalistas revelou em 2015 a notícia de que responsáveis máximos da FIFA teriam favorecido a atribuição das candidaturas do Mundial 2018 e 2022 à Rússia e Catar respetivamente. O escândalo, que envolveu também outras acusações de fraude e lavagem de dinheiro, levou ao afastamento e julgamento de muitos elementos da FIFA, afetando seriamente a credibilidade da organização.

Não obstante esses factos serem do conhecimento público, a organização manteve a realização do torneio no Catar, país governado por uma monarquia formalmente constitucional mas na prática absolutista em que o responsável máximo político é o Emir Tamim bin Hamad Al Thani. Devido à sua localização junto ao Golfo Pérsico, região sujeita a elevadas temperaturas, o calendário dos jogos do Mundial foi alterado, de forma inédita, de modo a permitir que os jogos decorram pela primeira vez no inverno, com temperaturas mais suportáveis para as equipas e adeptos. Estima-se que o valor investido pelo Catar, um dos países mais ricos do mundo, na construção de sete estádios e mega-infraestruturas é cerca de 200 mil milhões de dólares, naquele que é considerado o Mundial mais caro de sempre, num país em que só uma minoria catari pertencente à elite é adepta de futebol.

Desde que foi anunciado que o Catar acolheria o torneio, várias organizações humanitárias têm denunciado, de forma veemente, as inúmeras violações de direitos humanos no país, em especial os direitos dos trabalhadores migrantes que foram contratados para construir os estádios e infraestruturas. O país indicou ter contratado cerca de dois milhões de trabalhadores, a maioria oriunda de países como o Bangladesh, Filipinas, Nepal e Índia, estando grande parte deles sujeitos a exploração laboral. Catar é um dos países que adota o sistema Kafala, uma prática comum no Médio Oriente e Golfo Pérsico de trabalho forçado, que permite que entidades patronais confisquem a documentação e passaportes de trabalhadores migrantes, limitando a sua circulação de movimentos e quaisquer reivindicações laborais. A Kafala tem sido denunciada como uma das práticas mais ignóbeis por organizações humanitárias. Apesar de o Catar ter anunciado um acordo em 2017 com a Organização Internacional do Trabalho para reformar o sistema Kafala, tanto a Amnistia Internacional como a Human Rights Watch denunciaram que as práticas ilegais de exploração laboral continuaram, mesmo após o Governo ter introduzido restrições ao número de horas de trabalho e exposição ao calor. Estima-se que terão morrido cerca de 6750 trabalhadores, embora o número real possa ser mais elevado uma vez que o Governo catari não realiza autópsias aos trabalhadores migrantes, indicando que muitos terão falecido de “causas naturais”.

 

Para além de já ser um reconhecido desastre humanitário, o torneio promete ser também um desastre ambiental. Apesar das promessas da FIFA de que este seria o primeiro Mundial neutro em carbono, o Catar é um dos maiores países emissores de dióxido de carbono per capita, agravado pela construção de novos estádios, assim como novas cidades e meios de transporte em torno dos estádios. Várias organizações ambientais têm acusado o Catar da prática de “Greenwashing”, providenciando informações enganosas sobre emissões poluentes de modo a ocultar do público o verdadeiro impacto ambiental do Mundial 2022.

A Câmara Municipal de Lisboa recentemente votou a favor da solidariedade com as mulheres iranianas que lutam pelos seus direitos e por maior liberdade e igualdade no Irão. É preciso relembrar que no Catar, as mulheres não estão sujeitas a menos repressão. De acordo com um relatório da Human Rights Watch de 2021, as mulheres catari têm de obter permissão dos seus guardiões legais masculinos para casar, estudar no estrangeiro, trabalhar na função pública, viajar ou para terem acesso a planeamento familiar. É um sistema que discrimina fortemente as mulheres e as sujeita por completo à autoridade dos homens, naquilo que constitui uma violação do direito internacional.

Para além das desigualdades de género, as leis do Catar são claras e apelam à total discriminação e violência contra a comunidade LGBTQI+. O país não permite relações sexuais ou casamento entre pessoas do mesmo sexo e quaisquer manifestações de apoio a pessoas da comunidade LGBTQI+ são punidas com penas de prisão. Embora a organização do torneio destaque que todos serão bem-vindos independentemente do seu sexo, género, raça, orientação sexual, religião ou nacionalidade, as autoridades catari não deram quaisquer garantias de seguranças a adeptos LGBTQI+ que se desloquem ao país e desencorajam manifestações públicas de afeto.

O futebol é uma prática desportiva global que gera as paixões mais intensas e inspira sonhos em muitos jovens que procuram dedicar-se profissionalmente à prática. Associar este torneio a um país com um historial de graves violações de direitos humanos é permitir que fechemos os olhos ao racismo, à xenofobia, à discriminação e preconceito que tanto temos vindo a combater em Portugal e no seio da União Europeia.

A prática de um desporto inclusivo e que respeite os direitos humanos é incompatível com a sua realização num país como Catar, e sendo Lisboa uma cidade defensora dos valores da liberdade e dos direitos humanos, a CML deve tomar uma posição firme, à semelhança do que tem sido já anunciado por várias cidades europeias como Paris, Bruxelas, Marselha, Lille, Bordeaux, Reims, Nancy e Rodez.

Assim, o Vereador do LIVRE propõe que a Câmara Municipal de Lisboa, na sua Reunião de 17 de outubro de 2022, delibere que:

  1. A Câmara Municipal de Lisboa condene, com veemência, as violações de direitos humanos que ocorreram no Catar, em particular as cometidas no âmbito da organização do Mundial 2022;
  2. A Câmara Municipal de Lisboa utilize a publicidade institucional que tem ao seu dispor para realizar uma campanha publicitária positiva e inclusiva que apela ao fim do preconceito e discriminação na prática do desporto;
  3. Recomende a todos os representantes municipais eleitos para a Câmara Municipal de Lisboa que não aceitem convites para se deslocarem ao Catar de modo a assistirem aos jogos de futebol;
  4. Envie mensagem à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) a instar a FPF a tomar uma posição pública contra o historial de violação de direitos humanos no Catar, no âmbito da realização do Mundial 2022.

 

Lisboa, 14 de Outubro de 2022

O Vereador do LIVRE

Rui Tavares

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