O LIVRE lamenta que a emissão da DIA favorável corresponda a mais um passo neste longo processo desastroso dos pontos de vista da ecologia e da democracia.
Foi com enorme desagrado que o LIVRE tomou conhecimento de que a Agência Portuguesa do Ambiente emitiu Declaração de Impacto Ambiental (DIA) favorável à transformação da Base Aérea N.º 6, no Montijo, em aeroporto, permitindo assim que a obra no Estuário do Tejo avance.
O LIVRE defendeu sempre que para a escolha da localização de um novo aeroporto deveria ser feita uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) onde fossem comparadas várias alternativas. Defendeu também que a construção de um novo aeroporto internacional em Portugal apenas fará sentido se tornar possível encerrar o aeroporto Humberto Delgado, pondo fim ao risco a que a população tem estado sujeita e eliminando esta fonte de ruído e de contaminação do ar que reduz a qualidade de vida em Lisboa.
Além disso, na luta contra as alterações climáticas, o LIVRE defende que o crescimento do setor da aviação deve ser contido e que a necessidade de expansão da capacidade aeroportuária nacional deve ser criticamente avaliada, considerando-se alternativas de investimento noutros modos – como a ferrovia – para substituição de voos.
Por estes motivos, o LIVRE não concordou com a decisão, pouco fundamentada e desprovida do necessário consenso nacional, de avançar com a transformação da base aérea do Montijo + extensão do aeroporto Humberto Delgado, considerando gravíssima a assinatura do acordo entre o Estado e a ANA – Aeroportos de Portugal, no passado dia 8 de janeiro, meses antes de estar terminado o Estudo de Impacte Ambiental (EIA), condicionando a execução deste e colocando o Estado Português em risco de futuras indemnizações.
O próprio processo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) desta solução levanta muitas dúvidas, já antes denunciadas pelo LIVRE. Por um lado, as obras de extensão do atual aeroporto Humberto Delgado não foram sujeitas a Estudo de Impacte Ambiental (EIA), configurando potencial violação da Directiva Europeia de AIA.
Por outro lado, o EIA relativo à transformação da base aérea do Montijo evidencia pobreza técnica e lacunas, por ignorar alternativas, por potenciais violações de legislação europeia: as Diretivas Aves e Habitats ou ainda por não considerar estar em zona de risco pela subida do nível médio da águas do mar.
Neste contexto, o LIVRE lamenta que a emissão da DIA favorável corresponda a mais um passo neste longo processo desastroso dos pontos de vista da ecologia e da democracia.
O facto desta DIA estar condicionada à execução de algumas ações de carácter duvidosamente compensatório, avaliadas em 48 milhões de euros, não corrige o processo nem mitiga o efeito da decisão. Estas ações pressupõem que as espécies animais afetadas e os respetivos habitats se vão adaptar, bem como a possibilidade de se compensarem impactes, o que não se encontra cientificamente sustentado.
Por todas estas razões, o LIVRE apoia a mobilização da sociedade civil Portuguesa, em particular das Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA), no sentido de obter junto da Justiça portuguesa, as necessárias providências cautelares que impeçam o avanço das obras, bem como a denúncia, junto da Comissão Europeia, das violações das Diretivas europeias referidas. Neste sentido, o LIVRE irá realizar todos os esforços que estejam ao alcance do partido para complementar esta mobilização e contribuir para um processo sério e rigoroso de análise da necessidade de expansão da capacidade aeroportuária em Portugal.
FUNDAMENTAÇÃO DETALHADA
Existem quatro princípios fundamentais, aplicáveis quer a Portugal quer ao planeta, que estão na base da posição do LIVRE:
- A necessidade de limitar o crescimento do sector da aviação e respectivas emissões de gases de efeito de estufa (GEE) em Portugal e no mundo, na luta contra as alterações climáticas;
- A necessidade de travar e reverter o declínio da biodiversidade, dos habitats e dos ecossistemas;
- A necessidade de assegurar o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas e dos animais;
- A necessidade de cumprir com a legislação que suporta os princípios anteriores, seja esta nacional ou europeia, bem como os tratados e convenções internacionais neste âmbito.
Concretizar estes princípios significa que, para o LIVRE, a construção de um novo aeroporto internacional em Portugal apenas faz sentido se tornar possível encerrar o aeroporto Humberto Delgado, pondo fim ao risco a que a população tem estado sujeita e eliminando esta fonte de ruído e de contaminação do ar que reduz a qualidade de vida em Lisboa.
Dada a sua magnitude, enquanto grande empreendimento público com incidência territorial, o estudo das opções alternativas e possível localização de um novo aeroporto deveria ser alvo de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). Realizar Estudos de Impacte Ambiental (EIA), projecto-a-projecto, não permite tomar decisões à escala que se exige, aferindo impactos agregados e de uma forma verdadeiramente informada, comparativa e sustentável.
Apenas o debate público posterior à realização de uma AAE abrangente permitiria construir consenso razoável junto da sociedade portuguesa em torno de uma das alternativas mais sustentáveis.
Neste sentido, foi com indignação que o LIVRE constatou a assinatura do acordo para a expansão da capacidade aeroportuária, entre o Estado e a ANA – Aeroportos de Portugal, no passado dia 8 de Janeiro.
A indignação não resultou apenas da adopção do modelo de extensão propriamente dito – que prolonga e expande os impactos negativos do aeroporto Humberto Delgado e gera novos impactos, da mesma natureza, na mesma região, passando ainda a afectar de forma mais intensa as áreas protegidas da região de Lisboa e Vale do Tejo – mas sobretudo do facto de tal assinatura visar a irreversibilidade da decisão, antecipando em vários meses a preparação do próprio Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do Aeroporto do Montijo, depósitos de combustível, vias de acesso e operação.
A assinatura antecipada do acordo procurou condicionar a realização do EIA e as conclusões deste, tratando-se de uma ingerência absolutamente inaceitável por parte do Estado, por iniciativa do actual Governo. Dessa forma, ficou também, de certa forma, esvaziado o valor destes EIA – que decorrem de uma Directiva europeia – perante a população portuguesa e independentemente do projecto.
No que concerne ao EIA do Aeroporto do Montijo, o LIVRE apoiou os pareceres negativos de muitas associações, cidadãos, e entidades diversas, em particular o parecer negativo que as organizações não-governamentais de ambiente submeteram à consulta pública e tornaram público.
Desde logo é necessário salientar que o LIVRE considerou particularmente curto o período de consulta pública destinado à apreciação deste EIA, que parcialmente decorreu durante o período do ano em que mais pessoas fazem férias e que dificultou significativamente o trabalho de estudo daquilo que se tornou um documento com milhares de páginas e conteúdo técnico. Os cidadãos portugueses merecem maior respeito nas escassas oportunidades que têm de participar das decisões de maior impacto para o futuro do país.
Do EIA propriamente dito, o LIVRE destacou o facto deste não estar em conformidade com o que é exigido legalmente por não contemplar alternativas, entre as quais a opção de não construção, por não considerar o impacto agregado de todos os projectos conexos (que neste caso são óbvios e incluem a extensão do aeroporto Humberto Delgado e a construção de acessos rodoviários, depósitos de combustível e tubagens associadas). O LIVRE destacou ainda as enormes lacunas que o EIA apresenta em matérias como a conservação da natureza, a qualidade do ar, a qualidade da água e o ruído.
Apesar das lacunas, a dimensão dos impactos negativos é tal que o documento não conseguiu evitar o impacto negativo de muitos dos descritores como sendo de elevada gravidade. Tal impacto sobre o Estuário do Tejo, enquanto ecossistema que alberga habitats prioritários, as espécies que lá habitam ou residem temporariamente (caso das espécies migratórias) e a população humana residente, será significativo e impossível de mitigar ou compensar.
O Estuário do Tejo é a região mais importante da Europa no que concerne à avifauna, encontrando-se integrado na lista de sítios: a) da Convenção sobre as Zonas Húmidas de Importância Internacional Especialmente Enquanto Habitat de Aves Aquáticas (Convenção Ramsar); e b) da Directiva Aves (sendo uma Zona de Protecção Especial para aves selvagens). Inclui ainda muitos habitats protegidos pela Directiva Habitats e integra a Reserva Natural do Estuário do Tejo.
As consequências danosas e cada vez mais evidentes que o declínio da biodiversidade, a degradação dos ecossistemas e as alterações climáticas, estão a ter sobre a civilização humana e a vida selvagem, têm suscitado alertas por parte da comunidade científica para, entre outras medidas, salvaguardar o mais possível as áreas protegidas já designadas, classificar, proteger e designar aquelas que já deveriam estar (incluindo as que servem de corredor ecológico ou asseguram conectividade) e acima de tudo afastar destas e respectiva envolvente qualquer tipo de projecto que as possa colocar em perigo.
Neste sentido, considerar qualquer tipo de nova infraestrutura para uma área tão sensível e estratégica como a do Estuário do Tejo, é desde logo preocupante. Se a dita infraestrutura se trata da transformação de uma base aérea em aeroporto, nenhum cidadão informado poderá reagir senão com estupefacção.
É particularmente importante sublinhar que os impactos negativos verificam-se não apenas na área física da base aérea mas também numa ampla região envolvente, resultando quer da fase de construção, quer da expansão de toda a área urbana circundante, construção de acessos, depósitos de combustível e tubagens, quer ainda da própria fase de exploração e de funcionamento do aeroporto.
O conjunto de lacunas do EIA é longo mas para o LIVRE, é evidente, por exemplo, que os impactes sobre a avifauna estão mal avaliados do ponto de vista científico, não tendo sequer sido contempladas algumas espécies particularmente relevantes quer do ponto de vista conservacionista quer do ponto de vista do enorme perigo de colisão com as aeronaves, como o flamingo-comum ou a águia-pesqueira. Por outro lado, assume-se erroneamente o potencial de retorno destas espécies a um estuário profundamente alterado no futuro improvável em que o aeroporto cessaria o respectivo período de exploração.
Do ponto de vista do ruído, é também evidente para o LIVRE que as estimativas de impacto estão subestimadas, antecipando-se uma queda acentuada da qualidade de vida (com a respectiva repercussão na despesa em termos de saúde pública) para muitos habitantes de áreas como a Moita, Alhos Vedros, Baixa da Banheira e Lavradio.
Finalmente, do ponto de vista ainda das lacunas o LIVRE considera inacreditável que não tenham sido contemplados devidamente cenários de subida do nível médio das águas e os riscos associados à provável ocorrência de sismos, tsunamis e outros desastres naturais que não só poderão inviabilizar toda a infraestrutura como poderão ver o seu potencial destruidor ampliado ao disseminar muitas das matérias perigosas que um aeroporto necessariamente inclui.
No que respeita à subida do nível médio da águas oceânicas, a gravidade desta lacuna ficou bem ilustrada no estudo, publicado esta semana na conceituada Nature Communications, que revê o risco de subida, estimando valores que correspondem ao triplo do que antes se antecipava, e que identifica a área da Base Aérea N.º 6 como de risco muito elevado.
Por todas estas razões, a expectativa do LIVRE foi sempre a de que não seria possível à Autoridade Nacional de AIA emitir senão uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) desfavorável que permitisse reabrir o debate público visando a correcção do processo de transformação da capacidade aeroportuária em Portugal.