LIVRE contesta a Declaração de Impacte Ambiental da APA para o aeroporto do Montijo

LIVRE contesta a Declaração de Impacte Ambiental da APA para o aeroporto do Montijo

O LIVRE contesta a Declaração de Impacte Ambiental relativa à construção do aeroporto do Montijo emitida pela Agência Portuguesa de Ambiente e solidariza-se com as Organizações Não-Governamentais de Ambiente

A Agência Portuguesa do Ambiente emitiu esta semana a Declaração de Impacte Ambiental final relativa à construção do aeroporto do Montijo, confirmando a decisão Favorável Condicionada ao projeto e apresentando cerca de 160 medidas de minimização e compensação.

O LIVRE tem acompanhado esta questão desde o início, tendo criticado a ausência de um estudo comparativo entre várias opções de localização, numa lógica de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) que permitisse gerar consenso na sociedade portuguesa em torno de uma opção que também permitisse substituir efetivamente o aeroporto Humberto Delgado. O LIVRE criticou também a assinatura do contrato entre o Estado e a ANA Aeroportos meses antes do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) relativo ao Montijo estar terminado, bem como a ausência de EIA para a extensão do aeroporto Humberto Delgado. Por fim, o LIVRE tinha já denunciado a pobreza técnica, lacunas e medidas de compensação de eficácia duvidosa do EIA, apoiando a mobilização da sociedade civil e das ONG de ambiente contra o projeto.

Embora a DIA venha viabilizar a construção do aeroporto do Montijo, o LIVRE vem reafirmar as falhas e fragilidades do EIA e denunciar a ineficácia de algumas das medidas de minimização e compensação propostas. Para o LIVRE, num contexto internacional de combate às alterações climáticas, o crescimento do sector da aviação deverá ser contido, os projetos de expansão deverão ser criticamente avaliados e as alternativas de investimento sustentáveis – como a ferrovia – deverão ser prioritárias.

O LIVRE considera grave que não tenha sido contabilizado o aumento das emissões de gases de efeito de estufa que esta opção aeroportuária trará. No Montijo, o LIVRE considera igualmente grave a débil avaliação de riscos naturais, em particular no que toca ao risco sísmico, de tsunami e de subida do nível das águas. Também o risco civil associado a operações numa pista de comprimento limitado e junto à água se encontra por avaliar. Os impactos na qualidade da água e do ar, bem como os decorrentes do aumento do ruído, continuam seriamente subestimados e os impactos dos projetos conexos, como as diversas infraestruturas necessárias ao aeroporto e área circundante, continuam ausentes.

Em relação à biodiversidade, o LIVRE considera a construção de um aeroporto junto da Reserva Natural do Estuário do Tejo – uma das mais importantes áreas protegidas europeias para a avifauna com localização vital na rota migratória do Atlântico Leste – não apenas um atentado ambiental mas potencialmente uma fonte de graves violações das Diretivas Aves e Habitats. A DIA continua assente em dados com lacunas e/ou desatualizados, ignorando espécies ameaçadas e de grande dimensão que frequentam o estuário.

As medidas de compensação não suprem efetivamente a perda de habitats nem podem assegurar resposta positiva por parte das populações de ave, prevalecendo o risco de abandono daquela área e de degradação do estuário enquanto zona de refúgio.

Na ausência da suspensão da opção de extensão do aeroporto Humberto Delgado e construção do aeroporto do Montijo, o LIVRE continuará a acompanhar as denúncias que venham a ser apresentadas junto da Comissão Europeia de potencial violação de Diretivas Europeias, por parte da população portuguesa e das Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA), disponibilizando o apoio possível e levando a cargo as diligências que permitam evitar um erro que custará caro ao ambiente e aos portugueses.

 

Enquadramento

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) emitiu, no final do dia de ontem, a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) final relativa à construção do aeroporto complementar do Montijo, confirmando dessa forma a decisão Favorável Condicionada à adoção da Solução 2 do estudo prévio da Extensão Sul da Pista 01/19 e Solução Alternativa do estudo prévio da ligação rodoviária à A12, bem como propondo um conjunto de 160 medidas de minimização e compensação.

O LIVRE tinha começado por constatar com indignação a assinatura do acordo para a expansão da capacidade aeroportuária, entre o Estado e a ANA – Aeroportos de Portugal, no dia 8 de Janeiro de 2019. Tal assinatura visou tornar irreversível a decisão e procurou condicionar a realização do EIA e as conclusões deste, tendo-se tratado de uma ingerência absolutamente inaceitável por parte do Estado e que por iniciativa do Governo colocou o próprio Estado em risco de litigância e futuras indemnizações. Dessa forma, prejudicou-se também a perceção quanto ao valor dos EIA – que decorrem de uma Diretiva europeia – perante a população portuguesa. A 23 de Setembro, o LIVRE expressou oposição à concretização do projeto de expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, nomeadamente à transformação da base aérea do Montijo e à extensão do aeroporto Humberto Delgado. A 31 de Outubro, o LIVRE comunicou o enorme desagrado com que tomou conhecimento da decisão da APA, apresentando uma fundamentação detalhada dos motivos subjacentes e denunciando a pobreza técnica e lacunas do EIA bem como a duvidosa eficácia das medidas de minimização e compensação propostas.

 

A posição do LIVRE e a necessidade de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE)

De forma geral, o LIVRE entende que o crescimento do sector da aviação deve ser contido e que a necessidade de expansão da capacidade aeroportuária nacional deve ser criticamente avaliada, considerando-se alternativas de investimento noutros modos – como a ferrovia – para substituição de voos. Esta posição enquadra-se no combate às alterações climáticas a que o LIVRE dá a necessária prioridade.

Não obstante, para o LIVRE, a construção de um novo aeroporto internacional em Portugal pode fazer sentido caso seja viabilizado o encerramento do aeroporto Humberto Delgado. Dessa forma seria possível terminar definitivamente com o risco a que a população da região de Lisboa e Vale do Tejo tem sido sujeita e eliminando uma fonte de ruído e contaminação do ar que comprovadamente tem reduzido a qualidade de vida na região.

Neste contexto, o LIVRE sempre defendeu que, no que respeita à escolha da localização de um eventual novo aeroporto, dada a sua magnitude, enquanto grande empreendimento público com incidência territorial, seria necessária uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). Através desta seria possível comparar várias alternativas e respetivos impactos positivos e negativos. Realizar Estudos de Impacte Ambiental (EIA), projeto-a-projeto, não permite tomar decisões à escala que se exige, aferindo impactos agregados e de uma forma verdadeiramente informada, comparativa e sustentável.

Apenas o debate público posterior à realização de uma AAE abrangente permitiria construir consenso razoável junto da sociedade portuguesa em torno de uma das alternativas mais sustentáveis. A construção de um novo aeroporto não pode ser uma decisão avulsa, sem enquadramento das ferramentas de planeamento estratégico necessárias ao bom ordenamento e gestão do território, e deve ser sempre fundamentada em informações o mais completas possível e abrangentes do ponto de vista social, económico e ambiental. A opção de expandir o aeroporto Humberto Delgado, complementando-o com a transformação da base aérea do Montijo para quase duplicar o número de voos a operar na região de Lisboa e Vale do Tejo, além de todas as fragilidades que encerra, não tem em conta a consideração de cenários alternativos, nomeadamente outro tipo de transporte que não o aéreo, outras possibilidades de localização do aeroporto e não consideração de cenários previsionais relativamente ao impacto turístico. A AAE é um instrumento que permitiria desenhar respostas a estas e outras eventuais questões, onde se inclui ainda a própria possibilidade de expandir o atual aeroporto de Lisboa.

Por estes motivos, o LIVRE não concordou com a decisão, pouco fundamentada e desprovida do necessário consenso nacional, de avançar com a transformação da base aérea do Montijo + extensão do aeroporto Humberto Delgado.

 

Uma Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) problemática

O processo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) da opção aeroporto Humberto Delgado + aeroporto do Montijo levantou desde o início muitas dúvidas ao LIVRE.

Por um lado, as obras de extensão do aeroporto Humberto Delgado não foram sujeitas a EIA, configurando potencial violação da Diretiva Europeia de AIA. Por outro lado, o EIA relativo à transformação da base aérea do Montijo é tecnicamente pobre e apresenta lacunas, não estando em conformidade com o que é exigido legalmente.

Com efeito, o EIA não contemplou alternativas, entre as quais a opção de não construção, não considerou o impacto agregado de todos os projetos conexos (que neste caso são óbvios e incluem a extensão do aeroporto Humberto Delgado e a construção de acessos rodoviários, depósitos de combustível e tubagens associadas), evidenciou potenciais violações de legislação europeia (como as Diretivas Aves e Habitats) e apresentou lacunas em matérias como a conservação da natureza, riscos naturais, qualidade do ar, qualidade da água e ruído.

Apesar das lacunas, a dimensão dos impactos negativos é tal que o documento não conseguiu evitar que muitos dos descritores fossem classificados como tendo elevada gravidade. Tal impacto sobre o Estuário do Tejo, enquanto ecossistema que alberga habitats prioritários, as espécies que lá habitam ou residem temporariamente (caso das espécies migratórias) e a população humana residente, será significativo e impossível de mitigar ou compensar.

O Estuário do Tejo é a região mais importante da Europa no que concerne à avifauna, encontrando-se integrado na lista de sítios: a) da Convenção sobre as Zonas Húmidas de Importância Internacional Especialmente Enquanto Habitat de Aves Aquáticas (Convenção Ramsar);  e b) da Diretiva Aves (sendo uma Zona de Proteção Especial para aves selvagens). Inclui ainda muitos habitats protegidos pela Diretiva Habitats e integra a Reserva Natural do Estuário do Tejo.

As consequências danosas e cada vez mais evidentes que o declínio da biodiversidade, a degradação dos ecossistemas e as alterações climáticas estão a ter sobre a civilização humana e a vida selvagem, têm suscitado alertas por parte da comunidade científica para, entre outras medidas, salvaguardar o mais possível as áreas protegidas já designadas, classificar, proteger e designar aquelas que já deveriam estar (incluindo as que servem de corredor ecológico ou asseguram conectividade) e acima de tudo afastar destas e respetiva envolvente qualquer tipo de projeto que as possa colocar em perigo.

Neste sentido, considerar qualquer tipo de nova infraestrutura para uma área tão sensível e estratégica como a do Estuário do Tejo é, desde logo, preocupante. Se a dita infraestrutura se trata da transformação de uma base aérea em aeroporto, nenhum cidadão informado poderá reagir senão com estupefação.

É particularmente importante sublinhar que os impactos negativos verificam-se não apenas na área física da base aérea mas também numa ampla região envolvente, resultando quer da fase de construção, quer da expansão de toda a área urbana circundante, construção de acessos, depósitos de combustível e tubagens, quer ainda da própria fase de exploração e de funcionamento do aeroporto.

O conjunto de lacunas do EIA é longo mas para o LIVRE foi desde logo evidente, por exemplo, que os impactes sobre a avifauna foram mal avaliados do ponto de vista científico, recorrendo a dados com 10 ou 15 anos, não tendo sequer sido contempladas algumas espécies particularmente relevantes, quer do ponto de vista conservacionista, quer do ponto de vista do enorme perigo de colisão com as aeronaves, como o flamingo-comum ou a águia-pesqueira. Por outro lado, assumiu-se erroneamente o potencial de retorno destas espécies a um estuário profundamente alterado no futuro improvável em que o aeroporto cessaria o respetivo período de exploração.

Do ponto de vista do ruído, foi também evidente para o LIVRE que as estimativas de impacto foram subestimadas, antecipando-se uma queda acentuada da qualidade de vida (com a respetiva repercussão na despesa em termos de saúde pública) para muitos habitantes de áreas como a Moita, Alhos Vedros, Baixa da Banheira e Lavradio.

Também no que respeita à avaliação das eventuais vulnerabilidades e impactos resultantes de riscos naturais, o EIA apresentou falhas graves. A área prevista no projeto para a construção do novo aeroporto e respetivos acessos situa-se a cotas relativamente baixas, pelo que o risco de inundação devido à subida do nível médio do mar prevista nas próximas décadas é uma possibilidade. Esta é também uma área onde a suscetibilidade sísmica é considerada “elevada” a “muito elevada”. No entanto, o EIA aborda o risco sísmico de modo superficial e incompleto.

Associada a este fator, encontra-se a elevada suscetibilidade de inundação da pista de aviação do novo aeroporto e da área adjacente por tsunami. Por fim, e de forma inacreditável, o EIA não teve em conta a contribuição do novo aeroporto para as emissões de gases com efeito de estufa.

Medidas de minimização e compensação de eficácia duvidosa

A DIA agora emitida pela APA propõe 160 medidas de minimização e compensação – um número inferior ao inicialmente proposto no EIA. Contudo, se por um lado lado a abordagem custo-benefício aos impactos ambientais, bem como à saúde e ao bem-estar da população é questionável – pois estas deviam ser as prioridades – por outro lado, muitas das medidas são de eficácia duvidosa. A este respeito destacam-se as medidas destinadas à avifauna. Propõe-se, por exemplo, a preparação ou recuperação de habitats destinados à alimentação e nidificação das espécies de ave que habitam ou se reproduzem no estuário do Tejo ou que ali param temporariamente durante as longas rotas migratórias que estabelecem entre África e o norte da Europa, para restabelecer a necessária energia. Essa intenção visa compensar a destruição e degradação de habitats naturais atualmente existentes. Para tal, propõe-se a aquisição de salinas e de terrenos bem como a adoção de contratos de gestão.

Para o LIVRE, estas medidas são de eficácia duvidosa uma vez que a evidência científica tem demonstrado que a procura e utilização de habitats semi-naturais desenvolvidos ou recentemente recuperados por ação humana, por parte de espécies selvagens, raramente se dá. Existe sempre um risco significativo de abandono dos habitats naturais, não estando esses animais mais tarde disponíveis para dar uso à compensação desenvolvida. É importante salientar que o estuário do Tejo é a zona húmida portuguesa mais importante para as aves aquáticas. Para as espécies migratórias o risco é particularmente grave uma vez que o estuário do Tejo é uma localização estratégica fundamental na rota migratória do Atlântico Leste, dadas as suas características naturais.

Existe ainda uma dimensão que não é passível de ser compensada: os habitats semi-naturais ou que venham a ser recuperados noutras zonas não terão o grau de maturação que apenas o tempo pode conferir aos habitats naturais.

É importante também salientar que algumas das medidas propostas já faziam parte de obrigações associadas à gestão da Reserva Natural do Estuário do Tejo.

 

Solidariedade e ação política

O LIVRE volta a reforçar que as obras de extensão do atual aeroporto Humberto Delgado não foram sujeitas a um EIA adequado, configurando mesmo uma potencial violação da Diretiva Europeia de AIA. O EIA relativo à transformação da base aérea do Montijo evidencia graves lacunas técnicas e não acautela devidamente riscos ambientais e outros, ao mesmo tempo que ignora alternativas. A DIA propõe medidas de minimização e compensação de eficácia duvidosa.

Configuram-se assim potenciais violações da legislação europeia, nomeadamente das Diretivas Aves e Habitats ou as respeitantes à necessidade de avaliação em todos os projetos públicos e privados, os impactos resultantes de riscos naturais, nos quais se incluem a mudança climática.

O LIVRE solidariza-se e apoia novamente a mobilização da sociedade civil, nomeadamente as Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA), no sentido de acionar todos os mecanismos que impeçam o avanço deste projeto nas atuais condições. Juntamo-nos ainda à exigência de um processo sério e rigoroso de análise da necessidade de expansão da capacidade aeroportuária em Portugal.

Tal como o LIVRE havia já sugerido, e uma vez que a DIA final se revela favorável à construção do novo aeroporto do Montijo, iremos acompanhar as denúncias que venham a ser apresentadas junto da Comissão Europeia de potencial violação de Diretivas Europeias.